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Vácuo de poder e disputa pela sucessão após renúncia de Morales na Bolívia

11/11/2019 14h02

La Paz, 11 Nov 2019 (AFP) - A renúncia à presidência de Evo Morales, que nesta segunda-feira chamou dirigentes opositores de "racistas e golpistas", deixou um vácuo de poder como resultado de três semanas de protestos desencadeados por eleições supostamente irregulares pelas quais o primeiro presidente indígena da Bolívia teria buscado se perpetuar no poder.

O ex-presidente aymara de 60 anos enviou um tuíte da região cocaleira de Chapare, no centro do país, onde se refugiou após sua surpreendente renúncia no domingo, horas depois de convocar novas eleições após as "graves irregularidades" denunciadas pelos observadores de a OEA nas eleições de 20 de outubro.

"Que eles assumam a responsabilidade de pacificar o país e garantir a estabilidade política e a convivência pacífica de nosso povo", tuitou Morales.

"(O ex-presidente Carlos) Mesa e (o líder da direita Luis Fernando) Camacho, discriminadores e conspiradores, passarão para a história como racistas e golpistas", acrescentou.

Morales renunciou sob pressão das Forças Armadas, da polícia e da oposição, que exigiram que ele deixasse o cargo que ocupa desde 2006 para pacificar o país. Sua renúncia foi comemorada pelas ruas do país, mas houve também violência em La Paz e outras partes da Bolívia.

O desenlace foi denunciado como um "golpe de Estado" pelos governos de esquerda da América Latina, incluindo México, Cuba, Argentina, Venezuela e Uruguai.

Sob uma garoa persistente, La Paz amanheceu na segunda-feira com menos bloqueios nas ruas do centro do que nos dias anteriores, mas com um serviço de transporte público reduzido e com a rede de teleféricos paralisada, obrigando milhares de trabalhadores a caminhar longas distâncias para chegar ao trabalho.

Muitas lojas permaneceram fechadas por medo de saques ocorridos no domingo à noite em alguns bairros na parte sul de La Paz e na cidade vizinha de El Alto.

- Debate pela sucessão - Na ausência do presidente, a Constituição estabelece que a sucessão passa primeiro para o vice-presidente, depois para o chefe do Senado e então ao presidente da Câmara dos Deputados, mas todos renunciaram com Morales. A renúncia do vice-presidente, Álvaro García, da presidente e do vice-presidente do Senado, Adriana Salvatierra e Rubén Medinacelli, e do presidente da Câmara dos Deputados, Víctor Borda, criou uma situação de incerteza na linha de sucessão constitucional.

A segunda vice-presidente do Senado, a opositora Jeanine Añez, reivindicou seu direito de assumir a presidência da Bolívia. "Ocupo a segunda vice-presidência e, na ordem constitucional, me corresponderia assumir esse desafio com o único objetivo de convocar novas eleições", disse Añez, entrevistada pela rede de televisão privada Unitel.

Não está claro qual será o destino do ex-presidente. Morales disse que não deixará a Bolívia, mas o México já lhe ofereceu asilo. O ministro das Relações Exteriores mexicano Marcelo Ebrard informou que "20 personalidades do executivo e legislativo boliviano" se asilaram na embaixada mexicana em La Paz.

A polícia, que está praticamente paralisada desde o início dos tumultos na sexta-feira, voltou ao trabalho nesta segunda-feira. "Vamos com certeza dar segurança à população da zona sul" de La Paz, disse o comandante geral da polícia, general Vladimir Yuri Calderón, ao canal ATB. "A polícia boliviana estará agindo".

Morales, politicamente forjado como sindicalista da coca, defendeu seu legado que, segundo ele, trouxe progresso econômico e social a uma das nações mais pobres da América Latina. "Estamos deixando a Bolívia com muitas conquistas sociais", disse ele em sua mensagem de renúncia .

- Prisões no Tribunal Eleitoral -Os resultados de uma auditoria da Organização dos Estados Americanos (OEA) divulgada no domingo, que apontou "graves irregularidades" nas eleições, desencadeou os eventos que levaram à renúncia de Morales. No domingo, depois da divulgação do relatór

io, o ex-presidente anunciou a realização de novas eleições, mas não conseguiu aplacar a ira da oposição. Durante o dia, ele enfrentou uma avalanche de renúncias de altos integrantes do governo, em alguns casos depois que suas casas foram queimadas, e acabou renunciando após a pressão decisiva dos militares e da polícia.

Após a renúncia de Morales, a polícia prendeu a presidente do Supremo Tribunal Eleitoral (TSE), María Eugenia Choque, e outros responsáveis por esse órgão, por ordem do Ministério Público, que investiga irregularidades cometidas nas eleições.

"No momento, temos 25 detidos" entre os membros do Supremo Tribunal Eleitoral e os tribunais eleitorais regionais, por ordens da procuradoria, disse o general Yuri Vladimir Calderón à AFP.

- Reações internacionaisOs principais aliados ideológicos de Morales na América Latina, Cuba, Venezuela e Nicarágua chamaram os acontecimentos de "golpe de Estado". A eles se juntaram o presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández, e o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva.

"Condenamos categoricamente o golpe consumado contra o irmão presidente @evoespueblo", escreveu o presidente venezuelano Nicolás Maduro no Twitter.

Na segunda-feira, o governo russo, também aliado de Morales, disse que ações violentas da oposição forçaram Morales a sair, enquanto a chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini e o secretário-geral da ONU, António Guterres, pediram "moderação", "responsabilidade" e novas eleições.

O Ministério das Relações Exteriores espanhol condenou que esse processo "tenha sido distorcido pela intervenção das Forças Armadas e da Polícia, sugerindo a Evo Morales que apresentasse sua renúncia ".

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