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A interferência humana na biodiversidade na origem das pandemias

11/04/2020 11h07

Paris, 11 Abr 2020 (AFP) - O aparecimento do coronavírus que já deixou mais de 100.000 mortos no planeta procede do mundo animal e foi favorecido pela atividade humana que, se nada mudar, pode provocar o surgimento de outros vírus semelhantes, alertam os especialistas.

As zoonoses, nome dado a doenças ou infecções transmitidas de animais para humanos, como tuberculose, raiva ou malária, não são novas.

Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), 60% das doenças infecciosas humanas são de origem animal, uma porcentagem que chega a 75% no caso das chamadas doenças "emergentes", como ebola, aids, gripe aviária, SARS ou zika.

"O surgimento de doenças zoonóticas está frequentemente associado a mudanças ambientais", consequência das "atividades humanas, da modificação do uso da terra e das mudanças climáticas", aponta o PNUMA em um relatório de 2016.

Segundo Gwenaël Vourc'h, vice-diretora da unidade de epidemiologia veterinária do INRAE, um instituto público de pesquisa francês, "a destruição de mais e mais ecossistemas multiplica os contatos" entre as espécies.

O desmatamento, a agricultura ou a urbanização que modificam o equilíbrio entre as espécies servem como "ponte" com os seres humanos, segundo os cientistas.

"O processo que leva um micróbio, como um vírus, de uma população de vertebrados - como morcegos - para humanos é complexo, mas é provocado pelo homem", diz Anne Larigauderie, secretária executiva do IPBES, o painel de especialistas da ONU sobre biodiversidade.

- "Tragédia mundial" -Além da pandemia atual, o IPBES estima que as zoonoses deixam cerca de 700.000 mortos a cada ano.

Roedores, primatas e morcegos são os principais hospedeiros da maioria dos vírus transmitidos aos seres humanos (75,8%), de acordo com um estudo realizado por pesquisadores norte-americanos antes do aparecimento da COVID-19 e publicado na quarta-feira.

Os animais domésticos também são portadores de 50% das zoonoses identificadas até o momento.

O estudo indica que as espécies selvagens que mais compartilham vírus com os seres humanos são precisamente "aquelas cuja população está caindo devido à exploração e perda de habitat".

"Estamos modificando os territórios (...) o que aumenta a frequência e a intensidade dos contatos entre humanos e animais selvagens e cria as condições ideais para transferências virais", diz Christine Johnson, da Escola de Veterinária da Universidade da Califórnia, que lidera o estudo.

Segundo Anne Larigauderie, essa tendência continuará e a frequência de pandemias aumentará devido a mudanças no uso da terra, "combinadas com o aumento do comércio e das viagens".

Portanto, é necessária uma resposta sistêmica, de acordo com Gwenaël Vourc'h.

"Além da resposta indispensável a cada epidemia, devemos refletir sobre o nosso modelo", segundo a especialista, e "refletir especificamente sobre o nosso relacionamento com os ecossistemas naturais e os serviços que eles nos fornecem".

No mesmo sentido, Anne Larigauderie pede "uma mudança transformadora para encontrar uma solução para esta tragédia global", para que setores econômicos como finanças, pesca, transporte ou energia levem em consideração o meio ambiente.

"Já existem estratégias eficazes para controlar a maioria das zoonoses", indicava o relatório do PNUMA de 2016, mas o principal problema é a falta de investimento.

"A integridade dos ecossistemas é a base da saúde e do desenvolvimento humano", segundo o órgão da ONU.

Para Jane Goodall, primatologista britânica de 86 anos que dedicou sua vida a defender os animais, essa pandemia é o resultado do "desprezo" pelos animais.

"É nosso desrespeito à natureza e nosso desprezo pelos animais, com quem teríamos que compartilhar o planeta, que causaram essa pandemia, pressagiada há anos", disse Goodall em uma teleconferência.

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