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Médicos argentinos em alerta diante de processos judiciais por contágio de COVID-19

03/06/2020 13h25

Buenos Aires, 3 Jun 2020 (AFP) - A acusação de dois médicos "por espalharem uma doença perigosa" em Córdoba alertou os profissionais de saúde na Argentina, que se recusam a trabalhar sob a ameaça de processos judiciais em plena pandemia de COVID-19.

"A ideia é que trabalhemos com calma, com todos os materiais de proteção. Não queremos ter uma espada de Dâmocles na cabeça, devido a uma possível acusação ao nosso trabalho", disse à AFP o médico-cirurgião Jorge Esnaola, porta-voz na província de Córdoba dos Médicos Autoconvocados, que reúne cerca de 4.000 dos 200.000 profissionais do país.

Esnaola se refere à acusação de "responsabilidade no contágio" do diretor e de um médico de um lar de idosos na cidade de Saldán, 700 quilômetros ao norte de Buenos Aires, pela Unidade Fiscal de Emergência de Saúde provincial.

O caso veio à tona em 10 de abril, quando o isolamento obrigatório estava em vigor há 21 dias. Foi o primeiro lar de idosos do país afetado pelo coronavírus, onde conviviam cerca de 80 pacientes e 30 funcionários. Pelo menos 65 pessoas foram infectadas.

Após um mês e meio de investigação, a promotoria considerou que "violações sérias e graves foram detectadas". Para o Conselho Médico de Córdoba, o promotor agiu "com imprudência e inexplicável velocidade processual".

O médico pode enfrentar uma sentença de três a 15 anos de prisão por "espalhar doenças perigosas", e o diretor, uma pena de seis meses a cinco anos de prisão por "negligência".

- "Efeito dominó" -"Isso pode causar um efeito dominó, no qual começam a acusar médicos por terem-se infectado. Assim, ninguém vai querer atender pacientes com medo de serem acusados", alertou Esnaola.

Familiares dos pacientes do lar de idosos também acusam o médico. Alegam que ele chegou do Brasil, não se colocou em quarentena e continuou atendendo. Afirmam ainda que foi encontrado um e-mail, no qual dizia estar com COVID-19.

Na Argentina, país de 44 milhões de habitantes, pelo menos 560 pessoas morreram por COVID-19, e há 17.400 casos positivos, entre eles 1.500 funcionários de saúde, de acordo com fontes sindicais.

- Nem heróis nem assassinos -A comunidade médica reagiu corporativamente diante das acusações.

"Não somos heróis nem assassinos, somos médicos", foi o lema que unificou protestos em Córdoba, San Juan e Buenos Aires, onde foram exigidos equipamentos de proteção adequados e aumentos salariais.

Ana Elisa Barbar, assessora da área de Violência contra a Saúde do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CIRC), disse à AFP que os processos judiciais "podem ser um problema, se houver falta de respeito ao trabalho" do profissional, que deve respeitar as leis do país onde exerce.

O CICR registrou mais de 200 denúncias de violência contra funcionários da saúde em diversos países.

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