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Polícia dos EUA: no banco dos réus após anos de impunidade

09/06/2020 11h28

Washington, 9 Jun 2020 (AFP) - Os pedidos de reforma da Polícia se multiplicam nos Estados Unidos, mas a tarefa é desanimadora. Com o poder Judiciário e com os sindicatos policiais apoiando os agentes, as forças da ordem transmitem uma forte sensação de impunidade.

Desde o assassinato de George Floyd, um afro-americano de 46 anos, sufocado por um policial branco há duas semanas em Minneapolis, houve uma enxurrada de iniciativas para combater a violência policial, especialmente contra a minoria negra.

Milhares de manifestantes exigem cortes nos orçamentos das forças da ordem, os representantes do Congresso querem "responsabilizar a Polícia", e a prefeitura de Minneapolis quer desmantelar a força policial da cidade para limpar sua imagem.

O assassinato de Floyd está longe de ser um caso isolado. A polícia americana matou 1.098 pessoas em 2019, com cerca de 25% desse total composto de negros, de acordo com o site mappingpoliceviolence. Os afro-americanos representam menos de 13% da população.

Esse alto percentual de mortes é influenciado pela disseminação de armas de fogo entre a população, o que aumenta o sentimento de insegurança entre os policiais. Em torno de 135 policiais morreram no cumprimento de suas funções no ano passado, de acordo com o fundo memorial.

Portanto, os oficiais têm o direito de atirar, se houver "medos razoáveis de perigo iminente" para si, ou para os outros. Mesmo em casos de excessos flagrantes, as punições são extremamente raras.

No nível administrativo, os policiais geralmente são protegidos por acordos coletivos que "dificultam" seu processo, segundo o projeto ativista checkthepolice.org, que examinou acordos assinados por sindicatos com mais de 80 grandes cidades do país.

Um desses acordos, em vigor em Minneapolis, permitiu que Derek Chauvin, o policial que matou Floyd, continuasse sua carreira por quase 20 anos, apesar das 18 denúncias de abusos contra ele. Os detalhes permanecem sob sigilo.

Há duas semanas, Derek estava com as mãos nos bolsos quando sufocou um homem algemado, o qual ele manteve no chão com o joelho pressionado sobre o pescoço por quase nove minutos.

Acusado de assassinato, compareceu diante de um juiz pela primeira vez na segunda-feira, sem demonstrar emoção.

- "Pouca empatia" -Ele foi preso cinco dias depois. Foi acusado de homicídio somente quando as acusações foram reclassificadas, após o promotor local ter sido afastado do caso.

Os promotores locais são "muito relutantes em acusar policiais, porque trabalham com eles diariamente", mas também porque são eleitos pelo povo e "querem vencer os casos", explicou à AFP Philip Stinson, um ex-policial que se tornou professor de Direito.

Esses "casos são muito difíceis, porque o júri, ou juízes, não gostam de questionar uma decisão tomada em um segundo por um oficial durante um evento potencialmente violento", afirmou.

Outro obstáculo "é que as pessoas que acusam os policiais nem sempre são as mais amigáveis. Podem ser traficantes de drogas, razão pela qual os jurados sentem pouca empatia", disse David Schultz, professor de Direito de Minnesota.

Como resultado, nos últimos 15 anos, apenas 110 policiais foram acusados de homicídio depois de atirar em alguém no cumprimento do dever, e apenas cinco foram condenados, segundo Philip Stinson, que coleta dados.

Uma lei do século XIX previa a possibilidade de pedir uma indenização em tribunais federais, mas a Suprema Corte dos Estados Unidos tornou essa opção quase impraticável, ao afirmar que os policiais deveriam ter violado "uma lei claramente estabelecida" para serem condenados.

Quase 200 membros do Congresso, a maioria democrata, anunciaram na segunda-feira sua intenção de legislar para acabar com essa "impunidade".

Também querem enfrentar o preconceito raciail, em particular com o treinamento obrigatório no combate ao preconceito, ou com a criação de um registro de erros policiais.

É improvável que este texto seja aprovado no Senado, onde os republicanos são maioria.

E, mesmo se aprovado, as autoridades nacionais exercem pouca influência sobre as cerca de 18.000 entidades policiais autônomas, incluindo polícias municipais, delegados de condado, patrulhas estaduais, todas com suas próprias regras para recrutamento, treinamento e práticas autorizadas.

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