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Enforcamento de jovem negro revive dolorosas lembranças nos EUA

17/06/2020 08h51

Palmdale, Estados Unidos, 17 Jun 2020 (AFP) - Bernard James não tem dúvida de que há um motivo racial por trás da morte de um jovem negro encontrado enforcado em uma árvore em uma cidade da Califórnia na semana passada.

Contrariando um primeiro anúncio das autoridades locais, ele tem certeza de que não foi suicídio.

"Foi linchado", disse de forma taxativa este homem de 27 anos, que na terça-feira (16) participou de um protesto de cerca de 200 pessoas em Palmdale, uma localidade no deserto de Mojave. Foi lá que Robert Fuller foi encontrado sem vida, enforcado.

Ali, muitos concordam com James e evocam um passado doloroso nos Estados Unidos, quando milhares de pessoas negras eram linchadas. Em seu apogeu, o grupo defensor da supremacia branca Ku Klux Klan (KKK) pendurava suas vítimas em árvores.

"É um tema racial, ponto", disse Shawna Green, de 46. "E estão acobertando isso", completou.

Inicialmente, as autoridades determinaram que se tratou de um suicídio, mas recuaram e ordenaram uma investigação exaustiva, após o protesto da família e de membros da comunidade.

Este episódio ocorre em meio às multitudinárias manifestações que varreram o país para denunciar a morte de George Floyd, um afro-americano morto asfixiado por um policial branco.

O FBI (Polícia Federal americana) também anunciou que investigará o caso, assim como a morte, também por enforcamento, de Malcolm Harsch, de 38 anos, em 31 de maio em Victorville, a cerca de 80 quilômetros ao leste de Palmdale. Em ambos os casos, os investigadores buscarão estabelecer se foi suicídio, ou homicídio.

"Os negros não se enforcam", afirmou Dee Johnson, de 64 anos. "Isso é uma coisa que a gente não faz", insistiu.

"Podemos dar um tiro na cabeça, ou ter uma overdose, mas não vamos nos enforcar. Não vamos repetir a história", reforçou, concordando com a tese de que a morte de Fuller foi um "linchamento" cometido, possivelmente, por simpatizantes do KKK.

Para ele, esses extremistas "estão fazendo mais barulho" desde a chegada de Donald Trump ao poder.

- "AmeriKKKa" -Na árvore onde o corpo de Fuller foi encontrado, em uma praça contígua à prefeitura de Palmdale, havia dezenas de velas, flores e cartazes com pedidos de justiça e de mudança.

"Parem de nos matar e de nos linchar", dizia uma das mensagens. "AmeriKKKa tem sorte que os negros queiram justiça, e não vingança", lê-se em outro cartaz.

Jamon Hicks, o advogado que representa a família Fuller, criticou a polícia local por encerrar o caso com tanta rapidez.

"É extremamente preocupante, especialmente dada a forma como o senhor Fuller foi encontrado, pendurado em uma árvore", declarou Hicks, na terça-feira.

"Para os americanos, pendurar em uma árvore é linchamento", explicou.

A irmã de Fuller, Diamond Alexander, descreveu o jovem como alguém que amava a vida: "Meu irmão não era um suicida. Meu irmão foi um sobrevivente", desabafou, durante uma vigília no fim de semana.

Tommie Anderson, um amigo próximo de Fuller, descreveu-o como "a pessoa mais doce que conhecia" e disse que nunca teria saído às 3h40 da madrugada - horário em que foi encontrado por um transeunte.

Embora a necropsia tenha sido feita em 12 de junho, as autoridades disseram que, antes de qualquer anúncio, esperam os resultados dos exames toxicológicos e a análise do histórico médico de Fuller.

Os investigadores também estão periciando a corda que pendurava o rapaz e a forma como foi atada. Também estão analisando o celular de Fuller e em busca de imagens de qualquer vídeo de segurança nos arredores.

O resultado é esperado com impaciência pela família e por todo povo de Palmdale, que tem uma população de quase 170.000 habitantes. A maioria é hispânica, e pouco mais de 12%, negra.

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