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Pandemia expõe miséria e desigualdade em moradias populares na Costa Rica

12/08/2020 09h59

San José, 12 Ago 2020 (AFP) - Mairena termina sua jornada de trabalho em um canteiro de obras, caminha um quilômetro para pegar o ônibus que a leva ao bairro La Carpio, no oeste de San José, onde divide um pequeno quarto com outros três migrantes nicaraguenses.

Vive numa 'cuartería', uma construção precária dividida em pequenos quartos e que, como no caso do que Mairena ocupa, tem um único banheiro para os 10 quartos onde estima-se que possam viver 100 pessoas.

"No trabalho nos pedem medidas de proteção, máscaras, distanciamento, lavar as mãos... mas aqui não tem nada disso", disse Mairena, que se identificou apenas pelo apelido.

O cômodo onde mora tem o aspecto de um antigo porão dividido por paredes sujas em cômodos que se estendem por um corredor escuro, de onde emana um cheiro penetrante de desinfetante misturado com umidade.

Este tipo de habitação para pobres em áreas marginais de San José tornou-se uma preocupação para as autoridades de saúde porque são fontes de disseminação da COVID-19.

"O fenômeno das 'cuarterías' continua sendo um dos gatilhos do contágio em San José", disse à AFP Marcelo Solano, diretor da Polícia Municipal da capital.

Esta entidade policial tem coordenado os "cercos sanitários" nessas residências. Quando um caso é detectado, a polícia garante que as pessoas permaneçam dentro do prédio por duas ou três semanas, enquanto as organizações sociais fornecem alimentos.

Segundo Solano, apenas em San José houve intervenções em 31 'cuarterías' com 800 habitantes entre março e agosto.

"A COVID-19 expôs um fenômeno que está em muitas cidades do país, que é a precariedade da moradia, o déficit qualitativo e quantitativo para uma população sem acesso ao teto", disse Solano.

A região metropolitana da capital e cidades vizinhas são atualmente a principal fonte de contágio do coronavírus na Costa Rica, que registra 24.000 casos e mais de 250 mortes.

Solano explicou que na capital vivem 15.000 pessoas em 'cuarterías', e "a metade são migrantes da Nicarágua, Cuba, Colômbia, Venezuela, Haiti, El Salvador e Guatemala, que por motivos diversos não conseguiram encontrar outro teto ou estão em trânsito para outro ponto".

Seu perfil de trabalho inclui trabalhadores informais, ambulantes, trabalhadores da construção civil, trabalhadores domésticos ou desempregados, cuja renda é apenas suficiente para pagar o baixo custo de um quarto.

- Desigualdade e estigma -Para Carlos Sandoval, pesquisador social da Universidade da Costa Rica, "os bairros são o reflexo de uma sociedade onde 40% da população economicamente ativa está no setor informal e não consegue encontrar empregos que lhes permitam ter acesso a uma moradia digna".

"Temos uma desigualdade primária que produz as 'cuarterías'. Para as pessoas que moram ali é difícil o acesso aos serviços de moradia, saúde e educação", acrescentou Sandoval.

Para muitos costarriquenhos, as 'cuarterías' são pontos de tráfico de drogas, crime e prostituição, mas Solano garante que nem sempre é assim.

Por isso, afirmou, há uma grande pressão social para o fechamento das 'cuarterías', o que exporia seus moradores a viver nas ruas.

A falta de moradia tem sido outro problema de saúde, dada a disseminação da COVID-19 na capital, onde milhares de pessoas vivem nas ruas.

Em resposta, um moderno ginásio construído para sediar os Jogos Esportivos da América Central de 2013 em Hatillo, ao sul de San José, foi convertido pelo município em um abrigo para sem-teto.

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