Topo

Papa a favor de leis civis para casais homossexuais

21/10/2020 21h43

Roma, 22 Out 2020 (AFP) - O papa Francisco reconheceu em um documentário apresentado nesta quarta-feira (21), no Festival de Cinema de Roma, que as pessoas homossexuais devem ser protegidas por leis civis para os casais do mesmo sexo.

"As pessoas homossexuais têm o direito de estar em uma família, são filhos de Deus, possuem direito a uma família. Não se pode expulsar ninguém de uma família, nem tornar sua vida impossível por isso. O que temos que fazer é uma lei de convivência civil, eles têm direito a estarem legalmente protegidos. Eu defendi isso", explica o papa no documentário dirigido pelo americano de origem russa Evgeny Afineevsky.

Com essas palavras, o papa argentino aborda novamente um tema que divide a Igreja e sobre o qual já se referiu em várias ocasiões com uma mentalidade mais aberta.

"Desde o início do pontificado, o papa fala de respeito aos homossexuais e que é contra sua discriminação. A novidade hoje é que defende como papa uma lei para as uniões civis", explicou à Rainews a vaticanista Vania de Luca.

Após sua eleição em 2013, o papa Francisco adotou um tom mais tolerante em relação aos homossexuais, lançando sua famosa frase "Quem sou eu para julgar?" e recebendo casais homossexuais em várias ocasiões no Vaticano, o que provocou a ira da ala mais conservadora da Igreja.

Em seu relato, o pontífice faz referência a sua batalha na Argentina, na época em que era arcebispo de Buenos Aires, a favor de uma lei para as uniões civis e contra classificar este tipo de união de casamento.

Uma postura complexa e considerada ambígua na época, mas que, agora como pontífice, consegue explicar de maneira mais clara.

Diversos cardeais se pronunciaram a favor do reconhecimento das uniões civis, entre eles o italiano Gualtiero Bassetti, presidente da Conferência Episcopal Italiana, e o bispo Marcello Semeraro, muito próximo a Francisco, que acaba de ser indicado para a Congregação para os Santos.

Em 2017, em entrevista para o livro do sociólogo francês Dominique Wolton, Francisco já havia esclarecido sua posição.

"Vamos dizer as coisas como são: o casamento é entre um homem e uma mulher. Este é o termo preciso. Chamemos de união civil a união entre pessoas do mesmo sexo", explicou.

- Mudança de postura -As declarações do papa representam um grande avanço em relação a um documento oficial da Congregação para a Doutrina da Fé (guardiã do dogma no Vaticano) de 2003, que se opõe ao "reconhecimento legal das uniões homossexuais", lembraram diversos observadores.

Assinado então pelo cardeal alemão Joseph Ratzinger, futuro Papa Bento XVI, o documento afirma que "reconhecer legalmente as uniões homossexuais ou integrá-las ao casamento significaria não só aprovar um comportamento desviante e, portanto, torná-lo um modelo na sociedade atual, mas também ocultar valores fundamentais que pertencem ao patrimônio comum da humanidade".

Para o vaticanista Jesús Bastante, do site especializado Religião Digital, o apoio do pontífice argentino às uniões civis entre pessoas do mesmo sexo "representa uma mudança drástica na posição oficial do Vaticano - e de seus antecessores - a esse respeito", escreveu.

Diversas organizações em todo o mundo pela defesa dos homossexuais aplaudiram as palavras do papa argentino.

"O fato de o papa ser a favor das uniões civis é uma notícia revolucionária para a doutrina da Igreja. Apoiamos muitos gays e lésbicas católicos diante de um passo histórico de tal magnitude", escreveu a organização italiana GayLib em um comunicado.

O documentário, de duas horas de duração, percorre os sete anos de pontificado e suas viagens com depoimentos e entrevistas.

Entre os momentos mais emocionantes do filme, o papa faz uma ligação para um casal homossexual, com três filhos pequenos, em resposta a uma carta que recebeu deles na qual contam a vergonha que sentem por levar seus filhos à paróquia.

Francisco os convida a continuar comparecendo à igreja independentemente dos julgamentos dos demais.

Outro depoimento comovente é o do chileno Juan Carlos Cruz, vítima e ativista contra os abusos sexuais, que acompanhou nesta quarta-feira o diretor na exibição do filme em Roma.

"Quando conheci o papa Francisco, ele me disse que sentia muito pelo ocorrido. Juan, foi Deus quem te fez gay e em todo caso te ama. Deus te ama e o papa também te ama", conta Cruz no filme.

Afineevsky, que compareceu hoje à audiência geral do papa no Vaticano, ganhou com o documentário "Francesco" o prêmio Kineo da humanidade, destinado àqueles que promovem questões sociais e humanitárias.

O diretor foi indicado a um Oscar e um Emmy em 2016 por "Winter of Fire" e em 2018 recebeu três indicações ao Emmy por "Cries from Syria".

kv/mb/aa/am/mvv