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Trump usou execuções de prisioneiros como uma "ferramenta política", segundo um advogado.

02/12/2020 15h10

Washington, 2 dez 2020 (AFP) - "Trágico" e "político" é como Bryan Stevenson, um advogado que receberá o prêmio Right Livelihood Award nesta quinta-feira(02), descreve as execuções federais de prisioneiros programadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, antes de sua saída do cargo em janeiro.

"Para cada nove pessoas que executamos nos Estados Unidos, uma pessoa inocente condenada à morte foi identificada", disse Stevenson à AFP em uma entrevista.

O advogado negro de 61 anos será homenageado com três outros ativistas de direitos humanos nesta quinta-feira com o prêmio da fundação sueca, uma distinção que foi considerada o "Prêmio Nobel Alternativo".

Fundador do grupo Equal Justice Initiative, Stevenson conseguiu provar a inocência ou alterar as sentenças de 130 presos condenados, luta que é narrada em seu livro "Just Mercy" e em um filme homônimo estrelado por Michael B. Jordan.

Para Stevenson, as condenações injustas deveriam ter resultado na "suspensão" imediata das execuções.

"Como na aviação", disse ele. "Quando um avião cai, temos que descobrir o porquê. Não permitimos que os aviões voem", disse ele.

"Na saúde e na alimentação e segurança fazemos o mesmo, mas de alguma forma no nosso sistema de justiça, não apenas continuamos a executar pessoas, nem tentamos descobrir porque é que o índice de erros é tão elevado", frisou.

O governo Trump retomou as execuções de presidiários federais em julho, após um hiato de 17 anos. Foram oito desde aquele mês e outros cinco estão programados, incluindo um para 15 de janeiro, apenas cinco dias antes da posse do presidente eleito, o democrata Joe Biden.

Até julho, apenas três execuções federais foram registradas nos últimos 45 anos.

"Acho que é trágico", disse Stevenson sobre a retomada das execuções federais sob o governo Trump.

"Na verdade, eu adoraria ver a pena de morte federal abolida", disse ele. "Está claramente sendo usado de forma política. E os últimos meses mostraram que é uma ferramenta política, para dizer o mínimo", disse ele.

- Esperançoso -Biden prometeu trabalhar para abolir a pena de morte em nível federal, mas precisará da aprovação do Congresso e para isso os democratas deveriam retomar o controle do Senado.

Para Stevenson, a pena de morte representa algumas das deficiências do sistema judicial americano, incluindo a criminalização das doenças mentais e o encarceramento de menores, mas especialmente a discriminação contra os afro-americanos.

Orlando Hall, um homem negro que foi executado no mês passado, "foi condenado por um júri totalmente branco depois que um promotor com histórico de preconceito racial excluiu 80% dos afro-americanos", disse Stevenson."Nossos tribunais se recusaram a tratar desse assunto", disse ele.

Os protestos em todo o país do movimento "Black Lives Matter" após o assassinato de George Floyd por um policial branco em Minneapolis acenderam os holofotes sobre a brutalidade policial nos Estados Unidos contra os afro-americanos.

Mas Stevenson disse que promotores e juízes também podem expressar preconceito racial.

"Há uma presunção de periculosidade e culpa atribuída aos negros e pardos, o que os torna muito vulneráveis em um sistema de justiça criminal muito agressivo e predatório", explicou.

"Portanto, temos muitos negros que são acusados injustamente e presos injustamente, condenados injustamente", disse ele.

Mas Stevenson fala por experiência pessoal. "Sou um advogado negro. Estudei na Faculdade de Direito de Harvard", disse ele. "Eles me tiraram do carro e a polícia me ameaçou dizendo que iam estourar meus miolos", lembrou.

Para ele, o racismo não vai desaparecer sozinho: "Acho que por muito tempo as pessoas acreditaram que ... com o tempo, esses males da escravidão, dos linchamentos e da segregação vão se dissipar. Sabemos que isso não é verdade".

"Teremos que lidar com essas más influências de forma afirmativa. Teremos que lidar com essas questões. Teremos que falar sobre coisas sobre as quais não conversamos antes", disse Stevens.

Com este fim, sua organização criou o Monumento Nacional pela Paz e Justiça em Montgomery, Alabama, dedicado aos 4.000 afro-americanos linchados nos Estados Unidos e um museu associado sobre a escravidão.

O livro, filme e prêmio lançaram luz sobre uma luta que Stevenson travou nas sombras.

"Fizemos esse trabalho com muito pouco conhecimento e reconhecimento", disse ele.

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