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Despolarização dos EUA? Há boas intenções, mas o pessimismo prevalece

18/01/2021 18h08

Nova York, 18 Jan 2021 (AFP) - Pode haver uma despolarização nos Estados Unidos? Após a agitação no Congresso e a entrada iminente de Joe Biden na Casa Branca, milhares dizem que estão prontos para estender a mão ao "outro lado" político e acabar com as divisões, embora a maioria seja pessimista.

Após o ataque ao Capitólio por partidários do presidente em fim de mandato Donald Trump em 6 de janeiro, aumentaram os temores de novos episódios de violência quando Joe Biden assumir o cargo na quarta-feira.

A organização Braver Angels, grupo criado em 2016 com o objetivo de superar divisões, organizou uma assembleia virtual aberta a todos os que desejam "unir a América".

A reunião no aplicativo Zoom atraiu 4.500 participantes de todo o país e atraiu 2.000 novos integrantes, disse seu porta-voz, Ciaran O'Connor.

Segundo ele, todos esperam evitar uma "guerra civil".

O encontro ofereceu um raro momento no qual pessoas que se definem como "azuis" (a cor dos democratas) e "vermelhas" (a dos republicanos) puderam encontrar exemplos de como superar as divisões.

Kouhyar Mostashfi, que se identifica como muçulmano e esquerdista, contou juntamente com Greg Smith, um apoiador de Trump, ex-policial e cristão fervoroso, como eles estabeleceram um relacionamento de quatro anos por meio de debates, humor e respectivas visitas à mesquita do primeiro e à igreja do segundo.

Depois que a pandemia reduziu seus encontros a reuniões virtuais, o relacionamento permaneceu forte, mesmo após o que aconteceu no Capitólio, que Smith descreveu como "horrível" e contrário à sua fé cristã.

Carlos Hernández, um pró-Trump hispânico, e Amania Drane, uma ativista negra antirracismo, trocaram pontos de vista por vários meses e explicaram como descobriram como é importante lutar contra "nossa polarização interna (...) começando por si mesmo".

- Pessimismo -O Braver Angels é apenas uma das várias iniciativas a nível local e nacional que promovem o diálogo entre pessoas com pontos de vista divergentes, como é o caso do "Living Room Conversations", criado em 2010.

Esses grupos se multiplicaram durante a gestão de Trump, que dividiu famílias e amigos.

Mas a dúvida permanece sobre o quanto esses esforços podem realizar quando confrontados com dois extremos em uma estrutura sociopolítica altamente tensa, alimentada pela hostilidade crescente nas redes sociais.

O ataque ao Capitólio dividiu até mesmo os partidários de Trump, entre os que pediram para afastar os invasores e os que consideraram as prisões e cancelamentos de perfis como evidências de um Estado totalitário.

O presidente eleito Biden, que em novembro recebeu 81 milhões de votos contra 74 milhões de Trump, se descreve como uma figura de reconciliação.

Mas não são poucos os americanos pessimistas. Cinquenta e seis por cento esperam que as divisões persistam durante a nova administração e apenas 31% acreditam que Biden será capaz de "unir o país", segundo uma pesquisa da Quinnipiac divulgada em 11 de janeiro.

- Tribalismo -De acordo com Kai Ruggeri, professor da Universidade de Columbia e coautor de um estudo sobre polarização em 2019, aqueles que se engajam em esforços de união "não são as pessoas que causam conflitos nos níveis mais altos".

"Se eles não colocarem essas iniciativas diante dos locais onde existem os problemas, não acredito que obtenham muito impacto", explicou.

Seu estudo sugere, no entanto, que a polarização pode ser reduzida com menos politização de questões-chave.

"Há uma crença superestimada de que estamos tão divididos em todas as questões quando, na verdade, estamos muito divididos na minoria, mas na grande maioria somos bem definidos", disse Ruggeri. "Mas não nos concentramos nisso."

Para Robert Talisse, especialista em filosofia política da Universidade Vanderbilt, "os cidadãos liberais e conservadores não estão mais divididos em questões políticas do que há 30 anos".

O que mudou, disse ele, é que os americanos "gostam menos uns dos outros". "A animosidade em relação ao outro lado aumentou de uma forma muito mais intensa do que qualquer divisão política".

Isso tudo é exacerbado por uma sensibilidade "tribal", disse ele: cada "tribo" tem seus valores, formas de consumir e cada vez menos oportunidades de conviver com pessoas do 'outro lado'.

"Nossos espaços sociais, nossos locais de trabalho, onde fazemos compras, como tiramos férias... Foram todos segregados ao longo das linhas partidárias de formas que nem sempre são óbvias", acrescentou Talisse.

Assim, "nossas interações cotidianas e inesperadas com outros seres humanos tendem a apenas nos colocar em contato com pessoas que são como nós".

A mídia social tem servido como catalisador para essas tensões há anos, e a pandemia, que reduziu a interação interpessoal nos últimos 10 meses, está reforçando essa divisão.

"Não acho que um político possa corrigir isso. Acho que cabe a nós, como cidadãos, reconhecer essas forças que atuam em nossa sociedade", afirmou.

"Acho que se vamos reparar a democracia, temos que aprender a fazer coisas juntos que sejam cooperativas e sociais e que não sejam organizadas em torno da política", acrescentou.

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