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Pandemia de covid-19 exacerba pobreza oculta no Japão

No bairro de Ikebukuro, um trabalhador da construção civil diz que seu salário equivalente a 800 euros há um ano caiu para pouco mais de 150 euros - iStock
No bairro de Ikebukuro, um trabalhador da construção civil diz que seu salário equivalente a 800 euros há um ano caiu para pouco mais de 150 euros Imagem: iStock

19/01/2021 10h01

Yuichiro pega, com os olhos marejados, um pacote de comida durante uma distribuição de alimentos em Tóquio para ajudar as pessoas que lutam para sobreviver na terceira maior economia do mundo, em meio à pandemia de coronavírus.

"Não há trabalho. Absolutamente nada!", disse à AFP este operário da construção civil de 46 anos, que prefere não revelar seu sobrenome.

"No Japão, a mídia não costuma falar sobre isso, mas muitas pessoas dormem em estações de trem e entre caixas de papelão. Algumas passam fome", assegura.

Em comparação com muitos outros países, o Japão foi relativamente poupado da pandemia, com cerca de 4.500 mortos desde janeiro de 2020, e não impôs um confinamento. A crise afeta particularmente, porém, os mais vulneráveis, segundo as associações.

"A pandemia, o aumento do desemprego e a queda dos salários afetaram diretamente os trabalhadores pobres, pessoas que já sobreviviam com dificuldades antes", explica Ren Ohnishi, presidente da Moyai, uma ONG local que luta contra a pobreza.

Visto do exterior, o Japão parece mais bem equipado para amortecer o impacto econômico da pandemia, com uma taxa de desemprego em torno de 3% e um sistema de seguridade social que funciona.

Essas estatísticas escondem, contudo, a magnitude do subemprego e do trabalho em meio período: 40% dos trabalhadores têm empregos precários.

"Classe média afunda"

O acesso à assistência social pode ser difícil: Yuichiro diz que cada entidade governamental o encaminhou para outra, em vão. No final, explicaram que dariam prioridade às famílias com crianças.

"Mas há muitos adultos que não têm o que comer", lamenta.

Mais de 10 milhões de pessoas vivem no Japão com o equivalente a menos de 16.000 euros (US$ 19.300) por ano, e uma em cada seis vive em "pobreza relativa", com uma renda abaixo da metade do salário médio, de acordo com os números oficiais.

Meio milhão de pessoas perderam seus empregos nos últimos seis meses, de acordo com Kenji Seino, chefe de uma ONG local.

"Não afeta mais apenas homens mais velhos, mas também mulheres e jovens", diz ele.

"A classe média desmorona", e "aqueles que já estavam na corda bamba a viram se romper sob seus pés", acrescenta Seino em outro evento de solidariedade no distrito de Ikebukuro, em Tóquio, onde cerca de 250 pessoas procuraram comida, roupas, sacos de dormir, ou medicamentos.

Uma situação que, às vezes, leva a atos desesperados: um aumento de 1% na taxa de desemprego se traduz em 3.000 suicídios adicionais por ano, de acordo com Taro Saito, do instituto de pesquisa NLI.

O suicídio atinge uma proporção cada vez maior de mulheres, cada vez mais afetadas por empregos precários.

E mais mulheres estão sendo vistas com seus filhos em eventos de distribuição de alimentos, de acordo com Seino.

Vergonha

Com o estado de emergência atualmente em vigor em 11 dos 47 departamentos do Japão, o governo tenta equilibrar o risco de infecção e medidas excessivamente rígidas.

As associações estão cientes de que muitos países têm níveis de pobreza muito mais elevados do que o Japão, mas destacam a dificuldade de encontrar ajuda para quem precisa e o estigma que sofrem.

"O sistema determina que as famílias tenham prioridade. Portanto, as famílias recebem cartas dizendo que seu filho pediu ajuda", afirma Ren Ohnishi.

Mas "muitas pessoas não querem que seus familiares saibam que recebem assistência social", porque acham isso uma vergonha.

"É um sistema muito japonês. Todos têm direito a ele, mas a sociedade não o tolera necessariamente", explica.

No bairro de Ikebukuro, um trabalhador da construção civil diz que seu salário equivalente a 800 euros (US$ 966) há um ano caiu para pouco mais de 150 euros (US$ 181).

"Só tenho o suficiente para pagar o aluguel mais um mês. Não quero acabar na rua. Está muito frio", afirma. "Não sei o que vou fazer", desabafa.