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Ataques contra opositores se intensificam no Brasil

20/03/2021 12h56

Rio de Janeiro, 20 Mar 2021 (AFP) - O popular youtuber Felipe Neto ficou espantado quando a polícia bateu à sua porta para informá-lo de que ele havia sido denunciado por atentar contra a segurança nacional.

Poucos dias antes, Neto havia chamado o presidente Jair Bolsonaro de "genocida" por sua gestão da pandemia do coronavírus, que deixou mais de 290 mil mortes no Brasil. O vereador Carlos Bolsonaro, estrategista das redes sociais de seu pai, pediu sua investigação à polícia.

De imediato, as redes sociais foram inundadas com mensagens de apoio a Neto, replicando o adjetivo "genocida" e as críticas do influenciador digital de 33 anos, com mais de 41 milhões de seguidores no YouTube e 12,4 milhões no Twitter.

Uma juíza suspendeu a investigação na quinta-feira, por considerá-la ilegal, e Neto anunciou que financiaria um grupo de advogados para defender gratuitamente os que são processados por críticas ao governo.

Juristas e especialistas em direitos humanos alertam para uma escalada de manobras legais e extrajudiciais por membros do governo e seus seguidores para silenciar vozes que consideram dissidentes.

- Milícias digitais -Os ataques não se limitam a opositores políticos.

Jornalistas, artistas e cientistas também denunciam ataques coordenados por "milícias digitais" bolsonaristas para destruir sua reputação.

A cardiologista Ludhmila Hajjar, que Bolsonaro sondou neste mês como possível ministra da Saúde, foi ameaçada de morte após questionar o uso de medicamentos sem comprovação científica promovidos pelo presidente contra o coronavírus e por defender as restrições à circulação para conter infecções. Tentaram invadir o hotel onde ela estava hospedada em Brasília.

Hajjar relatou o ocorrido a Bolsonaro, que, segundo a médica, respondeu: "Faz parte".

A Presidência disse à AFP que não comentaria o assunto.

- Resquícios da ditadura -"Como ele gostaria que eu me referisse ao presidente da República? Um presidente que chamou reiteradamente a maior pandemia vista em muitos anos de 'gripezinha', um presidente que incentiva todos a sair na rua como se nada estivesse acontecendo, desde o dia um, que provocou aglomerações em todos os momentos da pandemia?", questionou Neto.

A queixa contra Neto invocou a Lei de Segurança Nacional (LSN), implementada pelo regime militar (1964-85) para perseguir adversários políticos e que continua em pleno vigor na democracia.

E, com frequência cada vez maior, a lei está sendo usada para "coibir dissensos na prática", diz Thiago Amparo, advogado e professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), que a considera institucional.

A mídia noticiou esta semana que o Ministério da Justiça pediu à Polícia Federal que abrisse inquérito contra um sociólogo de Palmas, por "crimes contra a honra" do presidente, através da contratação de outdoors com fotos do presidente acompanhadas por frases como "mente", "Não vale um pequi roído" ou "Vaza, Bolsonaro".

A PF também investiga por "crimes contra a honra" Ciro Gomes, terceiro nas eleições presidenciais de 2018, que descreveu Bolsonaro como "ladrão" e denunciou supostos esquemas de corrupção na família do presidente, informou a imprensa neste sábado.

- Mina a democracia "por dentro" -"Estamos num momento bastante delicado, porque Bolsonaro é o tipo de liderança que mina a democracia por dentro", diz Ilona Szabó, cofundadora e presidente do Instituto Igarapé, especializado em questões de segurança e desenvolvimento.

Embora sempre tenha existido violações dos direitos humanos, como ameaças contra ativistas ambientais, brutalidade policial e uma situação degradante nos presídios, desde que Bolsonaro assumiu o poder, em 2019, "houve uma erosão democrática muito forte", disse Szabó à AFP.

Bolsonaro nomeou figuras-chave para a Polícia Federal, o Ministério Público, tribunais e outros órgãos de controle, que segundo analistas, podem ajudá-lo a proteger a si e a sua família de investigações.

"É um líder populista autoritário com um perfil clássico. Ele não aceita dissidência. Ou você é 100% leal ou você é inimigo", define Szabó.

A situação incentivou uma "fuga de cérebros", segundo ela, que também deixou o país, apos sofrer ameaças por se opor às políticas armamentistas e repressivas do governo em matéria de segurança.

A antropóloga e advogada Débora Diniz também se exilou após agressões por seu ativismo a favor da legalização do aborto. O ex-parlamentar de esquerda Jean Wyllys renunciou ao mandato em 2019 e se mudou para a Europa, após uma campanha de 'notícias falsas' que o associou à pedofilia.

No boletim que será publicado em abril (GPS do Espaço Cívico), o Instituto Igarapé identifica mais de 200 "ataques ao espaço cívico" entre 1º de janeiro e 10 de março de 2021, entre campanhas de desinformação, intimidação e abuso de poder.

O governo federal é responsável por 55% dos ataques, segundo o relatório.

"Se a gente continuar sem um freio real das instituições, há risco de ruptura democrática", avisa Szabó.

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