Protestos no Sudão pedem libertação do primeiro-ministro após golpe de Estado
As manifestações e os apelos para soltar o primeiro-ministro do Sudão, Abdala Hamdok, se multiplicaram nesta terça-feira (26), um dia após o golpe de Estado do general Abdel Fattah al Burhan, que afirma que o chefe de governo está em sua casa e com boa saúde.
As vozes críticas acusam Abdel Fattah al Burhan de ter "traído a revolução" de 2019 que expulsou o ditador Omar al Bashir do poder. Ele se defendeu nesta terça-feira, dizendo que dissolveu as autoridades de transição (o Conselho Soberano), formadas por civis e militares, porque "alguns atacavam o exército e incitavam contra este componente essencial da transição".
Também falou do primeiro-ministro Abdala Hamdok, cuja libertação foi exigida pela comunidade internacional desde que foi detido na segunda-feira. Ele está "na minha casa", afirmou o chefe do exército.
Hamdok, um ex-economista da ONU, "está em boa saúde e retornará para sua casa quando a crise acabar", acrescentou.
O primeiro-ministro, que se tornou o rosto civil da transição, foi detido na segunda-feira ao amanhecer junto com sua esposa, muitos de seus ministros e outras autoridades civis.
"Sim, nós detivemos ministros e políticos, mas não foram todos", informou o general em coletiva de imprensa de quase uma hora em forma de monólogo.
Os manifestantes, cuja desobediência civil tornou Cartum em uma cidade morta sem internet ou telefone, afirmam que não vão se render.
Mesmo que agora saibam onde está o chefe de governo, "não sairemos das ruas até que o governo civil se restabeleça", declarou à AFP Hocham al Amin, um engenheiro de 32 anos. Depois do fiasco na cooperação entre militares e civis, "nunca voltaremos a aceitar uma aliança com o exército".
O futuro político deste país pobre do leste da África é uma incógnita. Até o momento, todos os voos de e para o aeroporto de Cartum foram suspensos "até 30 de outubro", informou à AFP o diretor da aviação, Ibrahim Adlan.
Os três países (Estados Unidos, Grã-Bretanha e Noruega) que mediaram conflitos sudaneses antes afirmaram que "as ações dos militares são uma traição à revolução e transição".
Para aumentar a pressão sobre os golpistas, o governo dos Estados Unidos anunciou a suspensão de uma ajuda de 700 milhões de dólares destinada à transição, que deveria levar o país às primeiras eleições livres.
A União Europeia também ameaçou suspender o apoio finaneiro "se a situação não for imediatamente revertida".
O Conselho de Segurança da ONU deve se reunir nesta terça-feira para abordar o tema.
O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, afirmou que o primeiro-ministro do Sudão "deve ser libertado imediatamente".
Desobediência e barricadas
Apenas Moscou não seguiu as críticas e atribuiu o golpe a "uma política equivocada e à interferência estrangeira" no país, onde Rússia, Turquia, Estados Unidos e Arábia Saudita disputam a influência atraídos por seus estratégicos portos no Mar Vermelho.
Os ativistas pró-democracia anunciaram uma "greve geral" e "desobediência civil" contra o golpe do general Burhan, que prometeu formar um governo "competente" em breve e seguir com a transição para eleições livres.
Com várias bandeiras do país, milhares de sudaneses tomaram as ruas de Cartum. Para os manifestantes, a missão é "salvar" a revolução que derrubou Bashir em 2019, após uma repressão que matou 200 pessoas.
Na segunda-feira, ao menos quatro manifestantes morreram por tiros disparados pelas Forças Armadas e mais de 80 ficaram feridos, informou um sindicato de médicos.
"A opção da ditadura"
O processo, motivo de orgulho para os sudaneses após a conclusão decepcionante de outras revoltas pró-democracia no mundo árabe, já estava estremecido há muito tempo.
Em abril de 2019, militares e civis chegaram a um acordo para expulsar Bashir do poder e formar o Conselho Soberano, composto pelo mesmo número de integrantes dos dois lados para organizar as primeiras eleições livres no fim de 2023.
O golpe freia a transição e expõe a crescente divisão entre os que desejavam um governo exclusivamente civil e os que defendiam um Executivo de generais para retirar o Sudão do marasmo político e econômico.
Jonas Horner, pesquisador no International Crisis Group, considera este "um momento existencial para os dois lados, civil e militar".
"Este tipo de intervenção reintroduz a ditadura como opção", disse.
Michelle Bachelet, alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, expressou o temor de um "desastre".
Diante das críticas, o general Burhan disse que o governo respeitará os acordos internacionais assinados pelo Sudão, um dos quatro países árabes que normalizaram recentemente as relações com Israel.
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