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Salvadorenhos clamam por justiça 40 anos depois do massacre de El Mozote

11/12/2021 21h25

El Mozote, El Salvador, 12 dez 2021 (AFP) - Com uma procissão de velas marcada por silêncio e lágrimas, centenas de salvadorenhos rememoraram neste sábado (11) o 40º aniversário do massacre de El Mozote, cometido pelo exército contra cerca de mil pessoas, a metade delas crianças, durante a guerra civil.

Ao anoitecer deste sábado, os parentes das vítimas realizaram uma procissão solene com faróis e velas acesas, que terminou aos pés do monumento "El Mozote, nunca más".

"As velas são uma oferenda de luz para nossos mortos, e com isso dizemos que vivem nas nossas mentes", disse à AFP Benito Argueta, de 84 anos. Ele perdeu quatro irmãos no massacre.

"O massacre para nós, como vítimas, é algo que não podemos esquecer. Ano após ano estamos neste local para lembrá-los e dizer-lhes que a memória deles continua viva", disse, na abertura do ato comemorativo, o presidente da Associação de Vítimas de El Mozote, Leonel Tobar.

O ato central ocorreu na praça de El Mozote, no departamento (estado) de Morazán, cerca de 200 km a nordeste de San Salvador, sob um céu nublado e com brisa leve.

"Passaram 40 anos, mas é como se tivesse sido ontem. Nossas feridas estão abertas, nossa esperança está na justiça", declarou à AFP Dorila Márquez, de 65 anos, que perdeu os pais, uma irmã grávida, seis sobrinhos e cinco cunhados no massacre.

"Nós não queremos dinheiro (de indenização), queremos mais justiça", disse Saturnino Argueta Claros, de 71 anos, que perdeu a mãe, irmãos, sobrinhos e um cunhado.

O massacre ocorreu entre 9 e 13 de dezembro de 1981, quando várias unidades do Exército salvadorenho, lideradas pelo batalhão contra-insurgente Atlacatl - treinado pelos Estados Unidos -, lançou a chamada "Operação Resgate" contra a população do nordeste do departamento (estado) de Morazán.

O governo de El Salvador estabeleceu em 2017 que pelo menos 988 pessoas, entre elas 558 crianças, foram mortas em El Mozote e nas comunidades adjacentes.

Outras 712 pessoas que sobreviveram ao ataque deixaram a região. O conflito em El Salvador deixou mais de 75.000 mortos, pelo menos 7.000 desaparecidos e milhares de deslocados.

Durante o ato, foi feito um minuto de silêncio e os sinos da igreja do município tocaram em memória das vítimas.

Muitos dos convidados, entre eles o encarregado de negócios da embaixada dos Estados Unidos, Brendan O'Brien, fizeram fila para depositar flores no monumento em memória das vítimas.

Entre os presentes estava o sacerdote belga Rogelio Ponseele, que acompanhou as vítimas durante 40 anos de "tristeza".

"Ficamos estagnados na justiça e na reconciliação. Eu insistiria mais na reconciliação porque seria o melhor presente que poderíamos oferecer à pátria salvadorenha para conseguir uma nova convivência", disse Ponseele à AFP.

- EUA suspende sigilo de documento -Os Estados Unidos, que financiaram o Exército de El Salvador durante a guerra civil no país (1980-1992), anunciaram ter entregue à justiça salvadorenha documentos com sigilo suspenso sobre o massacre.

"Ontem (sexta-feira) apresentamos documentos com sigilo suspenso do governo dos Estados Unidos, solicitados pelo juizado encarregado da investigação e vamos apresentar mais no futuro", disse O'Brien em espanhol.

Os arquivos foram apresentados a um tribunal de San Francisco Gotera, onde 17 militares respondem em juízo pelo massacre.

"Nos reunimos para lembrar como ocorreu este horror, porque ocorreu, e para garantirmos de que esta história não seja esquecida", exclamou O'Brien sob aplausos dos presentes.

O massacre foi negado pelo governo cívico-militar da época, presidido pelo democrata-cristão José Napoleón Duarte, já falecido, e pela administração americana de Ronald Reagan, que enviava ao país centro-americanos um milhão de dólares diários para financiar a guerra.

"El Mozote foi um dos capítulos mais obscuros da história de El Salvador, há 40 anos. Mais de 1.000 vítimas, das quais mais da metade eram crianças, foram mortas no transcurso de três dias. Foi uma tragédia que realmente perturba a consciência", afirmou O'Brien.

O advogado de defesa das vítimas, David Morales, considerou a suspensão do sigilo do documento como um "gesto importante" de parte dos Estados Unidos.

Morales lembrou que a responsabilidade dos Estados Unidos na guerra civil foi primordialmente na administração republicana de Ronald Reagan, que encobriu o massacre e mentiu perante o Congresso, que tinha condicionado a ajuda militar ao respeito dos direitos humanos.

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