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Torturas no Cazaquistão colocam em xeque versão oficial sobre conflitos de janeiro

Policiais na praça principal de Almaty, no Cazaquistão, onde centenas protestaram contra decisão de aumentar preços do gás - Mariya Gordeyeva/Reuters
Policiais na praça principal de Almaty, no Cazaquistão, onde centenas protestaram contra decisão de aumentar preços do gás Imagem: Mariya Gordeyeva/Reuters

27/01/2022 08h38Atualizada em 27/01/2022 09h49

Enquanto o Cazaquistão sofria tumultos caóticos e sangrentos no início de janeiro, o opositor Asset Abishev era detido a bordo de um ônibus pela polícia, a quem ele agora acusa de tê-lo torturado por uma semana.

Militante da oposição, Abishev foi preso em 4 de janeiro, poucas horas antes da manifestação de milhares de pessoas nas ruas da capital econômica, Almaty, ponto de partida de uma crise sem precedentes.

Preso sem acusação e sem possibilidade de se comunicar com o mundo exterior, este homem de 44 anos foi finalmente libertado uma semana depois, sem indiciamento, mas com o corpo coberto de hematomas devido aos golpes que recebeu.

O seu depoimento à AFP, assim como outros relatos semelhantes, questionam a versão oficial das autoridades deste país da Ásia Central, que atribuem os distúrbios a "terroristas" e "bandidos" treinados no exterior.

Asset Abishev conta ter passado as três primeiras noites "sequestrado" na delegacia, incluindo em 5 de janeiro, quando a polícia disparou balas letais para repelir ataques de manifestantes não identificados.

Ele foi então transferido para um centro de detenção onde dividiu uma cela com outras sete pessoas e onde, segundo ele, todas foram submetidas à violência.

"Sem piedade"

"Eles me bateram no torso, nas costas e braços", diz Abishev, mostrando as marcas roxas, amarelas e verdes em seu corpo.

"Com os jovens presos nos dias 5 e 6 de janeiro, (os policiais) não tiveram piedade: colocaram sacolas plásticas na cabeça, jogaram no chão e começaram a pular em cima deles. Tiveram costelas quebradas, mas não receberam qualquer assistência médica", conta.

Os tumultos começaram após um aumento nos preços dos combustíveis, em um cenário de descontentamento contra a corrupção e queda do nível de vida.

Nesses distúrbios, o presidente Kasym-Jomart Tokayev ordenou que a polícia "atirasse para matar" e chamou tropas russas para ajudar.

Pelo menos 225 pessoas foram mortas, milhares ficaram feridas e várias centenas foram presas.

Elvira Azimova, emissária do governo para os direitos humanos, assegurou à AFP que as supostas violações de direitos durante as prisões eram "um dossiê prioritário" e reconheceu ter recebido denúncias de tortura. No entanto, admite não ter o poder de "interferir em processos judiciais".

"Morto, torturado"

Cholponbek Sydykov, que compareceu a um hospital na capital do Quirguistão, disse que a polícia cazaque quebrou suas costelas e pernas, e um de seus compatriotas teve o mesmo destino.

Outro cidadão quirguiz preso durante os distúrbios, o músico Vikram Ruzajunov, diz que sofreu inúmeros ferimentos e foi instruído a não falar sobre isso.

O músico foi libertado após o escândalo causado pela transmissão, na televisão do Cazaquistão, de suas "confissões" forçadas, em um vídeo em que aparece sofrendo e no qual afirma ter recebido dinheiro para se manifestar.

As circunstâncias exatas da agitação no Cazaquistão permanecem ambíguas.

Vários militantes criaram um banco de dados para registrar os desaparecidos, mortos ou detidos, e suas famílias exigem respostas.

Na noite de 6 de janeiro, Ierlan Jaguiparov, de 49 anos, se aventurou em uma rua de Almaty depois de ouvir tiros. Seus parentes nunca mais o viram vivo.

Seu irmão Nurlan disse à AFP que Ierlan ligou para um amigo naquela noite para lhe dizer que estava detido pela Guarda Nacional.

Após intensas buscas, seu irmão encontrou seu corpo em um necrotério, crivado de balas, com as mãos amarradas e os pulsos quebrados.

"Queremos que as pessoas saibam que ele foi assassinado, torturado e que seus assassinos ainda estão foragidos", disse Nurlan Khaguiparov.