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O drama das mulheres estupradas por combatentes na República Centro-Africana

01/02/2022 08h39

Paoua, República Centro-Africana, 1 Fev 2022 (AFP) - Em meio às lágrimas, Maïa, de 15 anos, olha para a barriga saliente. Quatro meses atrás, quando colhia mandioca no noroeste da República Centro-Africana, um homem armado a estuprou.

Nesta região remota de um dos países mais pobres do mundo e em guerra civil, a violência sexual contra mulheres, adolescentes e até meninas continua aumentando.

Os crimes são cometidos por rebeldes e milicianos e por elementos das forças de segurança, segundo a ONU.

Em Paoua, 500 km a noroeste de Bangui, um centro de escuta recebe as vítimas. No final de uma trilha ladeada de mangueiras há um barraco mobiliado apenas com uma mesa. Nem cartazes nem quadros por motivos de confidencialidade e segurança.

Todos os dias, dois assistentes sociais que trabalham para o Conselho Dinamarquês para Refugiados (DRC) ouvem mais de 10 vítimas, incluindo Maïa.

Devastada, a adolescente não encontra palavras para descrever o que sente.

Mas tímida e em voz baixa, ela concordou em compartilhar seu trauma: "Estava sozinha no campo quando um homem armado de turbante me pegou".

Maïa teve dificuldade em pronunciar a palavra "estupro".

"Eu disse a ele que era virgem e implorei para ele não me machucar", disse ela.

- Filho de seu carrasco -Tudo isso em vão porque agora ela carrega em seu ventre o filho de seu carrasco.

Assim como Maïa, Marie catava mandioca para alimentar sua família quando dois homens apareceram. Seu marido fugiu, mas ela não teve tempo para isso. "Eles amarraram minhas mãos, rasgaram minhas roupas e me estupraram", diz a jovem de 23 anos.

As mesmas histórias se repetem à medida que as entrevistas se desenrolam.

A maioria das vítimas foi atacada nos campos por rebeldes das 3Rs (Retornar, Reivindicar, Reabilitar), uma poderosa milícia.

"Aqui são principalmente as mulheres que cuidam da alimentação de suas famílias e do cultivo", diz a assistente psicossocial Lola.

Assim como Maïa e Marie, seu nome foi alterado para sua segurança. "Sozinhas e sem defesa nos campos, elas são uma oportunidade para muitos rebeldes", acrescenta.

Depois que a intensidade da guerra civil que começou em 2013 entre um Estado quase falido e um grande número de grupos armados diminuiu consideravelmente há três anos, as hostilidades aumentaram novamente desde que os rebeldes lançaram uma ofensiva para derrubar o presidente Faustin Archange Touadéra.

Esses grupos controlavam então dois terços do país. Mas, após uma contra-ofensiva do exército e de centenas de paramilitares russos, retiraram-se das cidades e o governo recuperou a maior parte do território.

No campo, os milicianos mudaram de tática e intensificaram as ações de guerrilha e perseguição de civis.

O Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) registrou 6.336 casos de violência de gênero entre janeiro e julho de 2021 em todo o país, dos quais um quarto foram atos de violência sexual, um aumento de 58% em relação ao mesmo período em 2020.

Na região de Paoua, rebeldes e milicianos são mais ativos. Em relatórios recentes, a ONU acusou as forças centro-africanas e os paramilitares russos de também cometerem violações.

- Dados alarmantes -No hospital de Paoua, os avisos proíbem o porte de armas. O doutor Fabrice Clavaire Assana administra um espaço dedicado às vítimas de violência de gênero. Ele fala de "dados alarmantes".

Uma dúzia de mulheres espera em frente a uma porta rosa com tinta fresca. "Depois de uma fase de escuta e construção de confiança, devemos proceder ao exame ginecológico e providenciar o tratamento de emergência", explica o médico.

A pílula do dia seguinte, a vacina contra a hepatite B, o tratamento contra infecções sexualmente transmissíveis ou HIV só começam a fazer efeito 72 horas após a administração, lamenta Dr. Assana.

Após o ataque, Marie caminhou 50 km "rezando" para não engravidar, não passar por uma mina antipessoal ou encontrar combatentes.

"Assustada e envergonhada, fui com minhas roupas rasgadas para meus sogros, mas eles não puderam pagar meu transporte para Paoua", conta.

"Meu marido fugiu, não posso cultivar e estou sozinha com meus filhos, que tenho que alimentar".

Esses crimes quase sempre ficam impunes por falta de tribunais funcionais. Portanto, Maïa e Marie não entraram com nenhum processo.

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