Topo

Esse conteúdo é antigo

A pé, de balsa e na companhia de um cão, uma travessia por oito países para chegar aos EUA

20/05/2022 20h14

Ciudad Tecún Umán, Guatemala, 20 Mai 2022 (AFP) - Há quase dois meses, Gilberto Rodríguez deixou a mulher e os dois filhos pequenos em Caracas e iniciou com seu cão, Negro, uma jornada perigosa rumo ao norte, passando por oito países.

Gilberto dormiu nas rua, fugiu de criminosos e teve que dar dinheiro para policiais guatemaltecos, mas nada lhe tirou a esperança de chegar aos Estados Unidos. Antes de chegar ao rio Bravo, se conseguir alcançar a última fronteira sem ser detido e deportado pela polícia mexicana, terá que cruzar outro rio na fronteira entre Guatemala e México, o Suchiate.

Com seu cão vira-lata nos braços, Gilberto paga pouco mais de um dólar para embarcar em uma balsa feita de câmaras de ar e tábuas. Em 10 minutos, chega ao México.

"Temos uma situação muito crítica com a economia na Venezuela e temos que sair correndo. O salário não dá para nada, você compra tudo em dólar e o que te pagam em bolívares não rende nada", explica o rapaz, 27, em Ciudad Tecún Umán, sudoeste da Guatemala, antes de cruzar o rio.

Gilberto e seu cão cruzaram a pé a perigosa floresta de Darién, entre a Colômbia e o Panamá. Depois, Costa Rica, Nicarágua, Honduras e Guatemala, até chegarem ao México.

Um juiz federal americano decidiu nesta sexta-feira (20) manter o Título 42, um decreto aprovado pelo governo do ex-presidente Donald Trump em 2020, que permite a expulsão imediata de migrantes que entram aos Estados Unidos pela fronteira sul, e o que o governo Biden pretendia suspender em 23 de maio. A Casa Branca informou que o governo apelará da decisão.

Mas assim como Gilberto, a grande maioria de quem cruza o rio Suchiate não sabe o que é o Título 42.

- Fluxo reduzido -Ao contrário dos meses anteriores, quando multidões de migrantes se reuniam nessa fronteira, o fluxo, agora, é pequeno. Nas rodovias, a polícia guatemalteca entra constantemente nos ônibus para checar a identidade dos viajantes.

O fluxo migratório pela Guatemala chega em "grupos pequenos", que não demoram a cruzar para o México, diz Alejandra Godínez, do Escritório de Assistência ao Migrante de Ciudad Tecún Umán. "Eles se dissipam em vários grupos e depois se agrupam no lado mexicano."

Rubén Méndez, prefeito de Ayutla, município onde fica Tecún Umán, afirma que as operações são um impedimento para que os migrantes não tentem formar novas caravanas, como as que costumavam deixar Honduras, principalmente desde 2018.

Entre janeiro e maio, a Guatemala expulsou 303 pessoas de Honduras, El Salvador e Nicarágua que não atendiam aos requisitos de imigração e saúde exigidos pela pandemia. Também expulsou 69 venezuelanos e 165 cubanos, além de outras 86 pessoas, de diferentes nacionalidades.

A última caravana de cerca de 500 migrantes foi dissolvida em janeiro, assim que entrou em solo guatemalteco. Um ano antes, um êxodo de cerca de 7.000 pessoas foi contido com cassetetes e gás lacrimogêneo.

Com a mochila no ombro, Gilberto conta que, em alguns trechos da Guatemala, policiais exigiram dinheiro para permitir que ele continuasse seu trajeto.

- Perigos -Gilberto superou várias ameaças. "Na floresta de Darién, vínhamos com algumas mulheres e as estupraram, além de roubarem nossos telefones", conta sobre esse trecho do percurso, onde grupos criminosos são abundantes.

Ao longo do caminho, Gilberto sobreviveu da caridade e compartilhou o prato com seu cão. Também dorminu na rua, porque alguns abrigos não permitem animais.

Um dia antes de embarcar no rio, Gilberto, seu cão e outros nove andarilhos fazem escala na Casa do Migrante, organização humanitária que tem sede na fronteira, onde se alimentam. "Viemos entre montanhas, rios, córregos, e a polícia nos roubando", conta Moisés Ayerdi, nicaraguense de 25 anos que diz fugir da pobreza e da repressão em seu país, onde deixou a mulher e três filha de 3 anos.

Todos eles querem conseguir um emprego nos Estados Unidos, com o objetivo de enviar dinheiro para suas famílias e financiar a viagem dos parentes para que se reencontrem.

A embarcação rústica sobre o rio Suchiate é guiada por um homem com uma longa vara. Assim que tocam a costa no lado mexicano, Negro salta dos braços de seu dono e avança pela trilha. Ele não é mais apenas um cão, mas também "um migrante", comenta Gilberto, sorrindo.

hma/mav/lbc/lb