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Protestos no Irã representam 'revolução' que agita a República Islâmica

06/12/2022 08h31

O regime clerical do Irã está sob pressão após quase três meses de protestos que abalam suas bases ideológicas e não mostram sinais de enfraquecimento, segundo especialistas. 

A onda de protestos foi desencadeada após a morte, em 16 de setembro, de Mahsa Amini, uma jovem curda iraniana de 22 anos detida por violar o rígido código de vestimenta feminino.

Analistas apontam que o movimento de contestação também canaliza anos de descontentamento decorrentes da má situação econômica e das restrições sociais. 

As manifestações deste ano são inéditas por sua duração e por reunirem todas as classes sociais e etnias. 

Além disso, pedem abertamente o fim do regime clerical. 

Nos protestos, retratos do líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei, são queimados, as mulheres andam sem véu pelas ruas e pessoas desafiam as forças de segurança. 

As autoridades do Irã, por sua vez, acusam potências estrangeiras de encorajar o que chamam de "distúrbios", começando pelos Estados Unidos e Israel, mas também grupos de curdos iranianos exilados no Iraque, cujas posições atacaram com mísseis e drones. 

Em uma aparente resposta aos protestos, o Ministério Público iraniano anunciou há alguns dias que a polícia da moralidade havia sido desmantelada, um anúncio recebido com ceticismo por ativistas, já que as mulheres continuam sendo forçadas a usar o véu em público. 

"Ficou bastante óbvio desde o início que os protestos não são sobre uma reforma ou a polícia da moralidade, mas visam o regime como um todo", diz Shadi Sadr, fundadora da organização Justice for Iran, com sede em Londres e que milita pelos direitos humanos.

"O que está acontecendo é um desafio fundamental ao regime", comenta à AFP. 

- Mais vulneráveis do que nunca -

"A atmosfera no Irã é revolucionária", concorda Kasra Aarabi, diretora do programa iraniano do Tony Blair Institute for Global Change.

Há anos existe uma tendência crescente de dissidência contra o regime, diz. As autoridades "podem tentar reprimir os manifestantes, mas não podem eliminar o espírito revolucionário", acredita.

Em 1979, a Revolução Islâmica derrubou a monarquia do xá apoiada pelos Estados Unidos e estabeleceu a República Islâmica do Irã. 

O aiatolá Ruhollah Khomeini voltou a Teerã após 15 anos de exílio e se tornou o líder supremo até sua morte.

Em 1989, ele foi sucedido pelo aiatolá Ali Khamenei. Aos poucos, o país implementou políticas como a sharia [lei islâmica] e tornou o véu obrigatório para as mulheres. 

Várias ONGs acusaram o regime iraniano de violar os direitos humanos, com execuções extrajudiciais e sequestros no exterior. 

A República Islâmica também mudou a geopolítica do Oriente Médio com sua recusa em reconhecer Israel, sua influência no Líbano e sua intervenção militar na Síria e no Iêmen. 

O regime está presente até na invasão russa da Ucrânia, fornecendo drones a Moscou, que os utiliza para bombardear Kiev e outras cidades. 

Mas os protestos provocados pela morte de Amini parecem mudar as regras do jogo. 

"O regime nunca esteve tão vulnerável em seus 43 anos de história", declarou à revista americana Foreign Affairs o acadêmico iraniano Karim Sadjadpour, do Carnegie Endowment for International Peace.

Outro fator de incerteza é a idade avançada de Khamenei. O jornal americano New York Times garantiu em setembro que o líder supremo de 83 anos está "gravemente" doente. Teerã nunca confirmou.

- "Máquina de repressão" -

Em resposta aos protestos, as autoridades mobilizaram o que a organização Anistia Internacional descreve como "uma máquina de repressão".

Pelo menos 476 pessoa foram mortas pelas forças de segurança, de acordo com a ONG norueguesa Iran Human Rights. 

As autoridades também prenderam mais de 14.000 pessoas e seis foram condenadas à morte. Além das execuções de Mohsen Shekari e Majidreza Rahnavard, outras nove pessoas foram condenadas à morte

Mas Sadr adverte que seria precipitado prever a queda do regime.

"Desmontar um regime como o da República Islâmica é uma tarefa muito difícil. Ainda faltam algumas peças para que isso aconteça", estima, citando a necessidade de os manifestantes se organizarem melhor e de uma resposta internacional mais forte. 

Apesar de o movimento atual não ter um líder claro, os protestos têm seus ícones, embora muitos estejam detidos, analisa Aarabi. "Estão no meio de uma revolução e não há como voltar atrás", insiste.

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© Agence France-Presse