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Gastronomia francesa experimenta menus com pouco ou nenhum álcool

02/01/2023 16h42

Seguindo uma tendência dos países anglo-saxões e nórdicos, a gastronomia francesa põe à prova a abstinência de álcool, um modismo surgido após as festas natalinas, mas que foi ganhando espaço.

A tendência é conhecida como "nolo", de "no alcohol" (sem álcool), ou "low" (pouco álcool).

Alguns exemplos: o champanhe rosé sem álcool, servido em uma loja de lingerie luxuosa de Paris ou os coquetéis "virgens" elaborados expressamente para a apresentação de novos restaurantes ou hotéis.

Inicialmente, a tendência era associada ao que se conhece em inglês como "dry January" ("janeiro seco"). Primeiro os bares, depois restaurantes de prestígio foram aderindo ao fenômeno e adotando-o durante o ano todo.

Hélène Pietrini, diretora da classificação gastronômica La Liste, diz que "adora" os menus sem álcool, que são "uma forma de degustação que vem do exterior" e que "muda completamente o perfil aromático dos pratos e multiplica as formas de se expressar".

Na alta gastronomia francesa, as pioneiras do "nolo" foram a chef mais estrelada do mundo, Anne-Sophie Pic, e sua sommelier, a argentina Paz Levinson.

"Quando estava grávida, era angustiante ir ao restaurante e beber água durante toda a refeição. Queria criar algo excepcional" para todos os clientes, diz Paz Levinson à AFP.

"Hoje em dia todo o mundo está reproduzindo isso", assegura Anne-Sophie Pic.

Em seu restaurante com três estrelas Michelin em Valence (sudeste), esta chef oferece uma infusão morna de café de origem brasileira, servida em uma grande taça de vinho, para acompanhar um filé de cervo.

- "Ir mais longe" -

"É uma tendência que está crescendo na França, seguindo o exemplo dos países anglo-saxões, que levam vantagem", explica à AFP Yann Daniel, mixologista do grupo Alchimiste, um dos líderes do movimento.

Durante o outono boreal, este barman foi trabalhando em uma gama de coquetéis leves, com o uso de "especiarias, ervas, raízes e chás" para o hotel da rede australiana Tribe, em Paris.

Daniel foi barman durante mais de duas décadas em alguns dos principais estabelecimentos da capital francesa, e admite que a princípio "duvidava bastante" deste modismo.

"Ao final, percebe-se que as pessoas gostam mais destes coquetéis, os apreciam e recomendam", explica.

Outro mixologista do Alchimiste, Matthias Giroud, publicou em outubro o livro "No Low" (Gründ), com mais de 60 receitas de coquetéis.

Com duas estrelas Michelin, David Toutain abre seus menus com uma bebida efervescente à base de bergamota e trigo sarraceno.

A lagosta é servida com uma infusão de brotos de pinheiro. Para acompanhar a enguia, suco de maçã com vinagre de funcho, e um néctar de beterraba e cenoura para o prato à pombo.

O desafio é grande: servir bebidas específicas para cada prato.

"Trabalhei durante anos para prepará-lo", assegura à AFP este chef, que desde novembro serve um cardápio duplo: bebidas sem álcool ou vinhos para harmonizar com cada prato.

"Com esta experiência, vamos mais longe", afirma. "Uma adega não faz um vinho em função de um prato, o someliê o escolhe em função do seu paladar. Aqui a escolha é minha", enfatiza.

- O vinho, sob ameaça? -

Diante da "frustração" dos clientes, que se deparavam com bebidas sem álcool compradas em supermercados no cardápio, o someliê Benoît d'Onofrio se inspirou nas técnicas clássicas das bebidas com álcool, como a maceração ou a extração de aromas.

"Em vista das reações que tenho recebido, tenho certeza de que o 'nolo' tem muito tempo pela frente", assegura.

Outro chef renomado, Guy Savoy, considera, ao contrário, que esta tendência é legítima nos países que não produzem vinho, mas nem tanto na França.

"No primeiro país do mundo com grandes vinhos, eu não julgo, mas também não vou aderir" à tendência, explica.

O crítico gastronômico alemão Jörg Zipprick, cofundador da Liste, avalia que por trás da tendência "nolo", há um certo puritanismo, de luta contra o "álcool diabólico".

"Adoramos o vinho, o champanhe, e assumimos isso. O único que propomos é uma forma diferente de fazer as coisas", afirma David Toutain.

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© Agence France-Presse