Extrativistas movimentam economia em áreas protegidas no Rio Xingu
O dia começa cedo para a comunidade do Rio Novo, na Reserva Extrativista (Resex) do Rio Iriri, na região sudoeste do Pará. Às 5h, Marlon Rodrigues coloca no fogo a primeira panela com castanhas in natura. Esse é o início do processo de beneficiamento da castanha-do-pará realizada na miniusina de processamento de produtos extrativistas instalada na comunidade, que alcançou este ano recorde de produção. No ano passado, foram produzidos na miniusina 1661 quilos (kg) de castanha beneficiada. Este ano a produção deve fechar em torno de 4000 kg de castanha e o valor a ser comercializado é de R$ 40 por quilo. Depois que sai da panela, a castanha é distribuída entre os dez trabalhadores e passa por uma máquina para quebrar a casca, que depois é retirada uma a uma com auxílio de uma faca. As castanhas são então selecionadas e embaladas e estão prontas para a venda. A quebra da castanha começa por volta das 7h e segue em ritmo frenético. O som das castanhas quebrando e da conversa entre os trabalhadores só para no final da tarde, às 17h. Marlon Rodrigues passou a trabalhar na miniusina depois que seu pai adoeceu. Ele vivia da pesca e não se interessou pela atividade a princípio, mas hoje divide com sua irmã Raimunda a responsabilidade pelo beneficiamento da castanha. "A gente mexia com pescaria e pra mexer com pescaria hoje em dia está muito ruim de peixe; tão ruim que quase não dá dinheiro nem pra comprar o alimento. Mexo aqui com castanha; meu trabalho é mexer a castanha no paiol e cozinhar castanha", conta Marlon.
A coleta da castanha começa no mês de fevereiro e vai até março. Os extrativistas coletam a castanha na mata, quebram, limpam e levam para o paiol onde ela passa dois meses secando, para então começar o processo de beneficiamento que vai até novembro - a quebra da castanha. O beneficiamento é feito de segunda a sexta-feira durante cerca de 20 dias e então a miniusina faz uma pausa para que os moradores possam se dedicar a outras atividades. "A gente tem outro ritmo de vida depois que começou a ter miniusina, mas a gente continua tendo roça com algumas coisas, continua pescando, vai na cidade e faz alguma compra. Passa uns dez, quinze dias sem trabalhar, aí começa de novo", explica Raimunda Rodrigues, irmã de Marlon. Na miniusina trabalham moradores da comunidade do Rio Novo, formada por cerca de 4 famílias e da comunidade vizinha de Boa Esperança. Uma parte das castanhas é coletada por eles e o restante é comprado de outros extrativistas da reserva por meio da cantina que funciona na comunidade, responsável por adquirir os produtos coletados pelos extrativistas."Cantinas" da Terra do Meio
A cantina do Rio Novo faz parte de uma rede de 22 cantinas espalhadas pela Terra do Meio, tanto em Terras Indígenas como Reservas Extrativistas da região. As cantinas são espaços de comercialização de mercadorias e produtos das florestas e funcionam como entreposto comercial entre a comunidade e o mercado externo. Possuem capital de giro administrado por um cantineiro escolhido pela comunidade - o que permite que as cantinas comprem a produção local dos extrativistas. A rede conta com oito miniusinas de processamento e 44 paióis de estocagem, 153 estradas de seringas reabertas e nove casas de seringa construídas. Entre os produtos trabalhados pelas comunidades extrativistas da região, além da valorizada castanha-do-pará, comercializada com casca e desidratada, e derivados do produto, como óleo e farinha de castanha, estão também óleo e farinha de babaçu, sementes florestais e borracha, vendida em bloco e em manta. De 2009 a 2017, o faturamento da rede de cantinas girou em torno de R$ 400 mil ao ano e a expectativa é fechar 2018 com R$ 1,8 milhão. As cantinas também acumularam um capital de giro superior a R$ 500 mil. Apenas nas três reservas extrativistas? da região ??Xingu, Iriri e Riozinho do Anfrísio, onde vivem cerca de 300 famílias -, o capital de giro chegou a quase R$ 300 mil. A comunidade do Rio Novo, por exemplo, coleta uma média de 200 caixas de castanhas - com cerca de 22 kg cada uma - e compra o restante de outros extrativistas por meio da cantina para fazer o beneficiamento. Esse ano entraram na cantina mais de 900 caixas de castanha. Quatrocentas foram vendidas para os contratos da rede de cantinas e 510 estão em processo de beneficiamento. O capital de giro da miniusina que começou com R$ 10 mil em 2012 chegou a R$ 65 mil no ano passado. "Nós compramos esses 65 mil e muito mais do que isso de castanha, porque a gente fez empréstimo. A rede ajuda a gente a processar, pagar as pessoas que quebram a castanha e quando a gente revende a castanha beneficiada paga todas as dívidas que ficaram com o capital de giro nas cantinas", explica Raimunda.Balanço anual
O beneficiamento da castanha na miniusina que começou em outubro vai seguir sem pausa durante 33 dias para encerrar a produção anual e fazer o balanço para a reunião de cantineiros que acontece anualmente em Altamira todo ano no final de novembro, antes do início da nova coleta de castanha. Na reunião, representantes de todas as cantinas trocam experiências sobre a produção durante o ano, os ganhos, perdas, e também discutem qual deve ser o preço da castanha com casca e da castanha beneficiada para o próximo período, valor que é adotado por todas as cantinas.O Rio Novo está localizado na Estação Ecológica onde começa a Reserva Extrativista (Resex) do Rio Iriri, na região da Terra do Meio, entre os rios Xingu e Iriri, formada por áreas protegidas que somam 8 milhões de hectares. Os encontros entre os cantineiros para negociar produtos e discutir preços também aproximou os moradores de diferentes áreas que ficavam muitas vezes isolados uns dos outros devido às grandes distâncias. "O pessoal vivia muito longe. Eu nasci e me criei nesse local, não conhecia Riozinho, não conhecia ninguém que morasse pra cima do Rio, pra cima da Boa Esperança. E depois das cantinas a gente começou a entrar em contato, cantineiro com cantineiro, pessoa com pessoa, reunião, então a gente começou a conhecer mais, ficar mais próximo um do outro. E circular dentro do território", conta Raimunda. A utilização do capital de giro permite que os extrativistas recebam o pagamento assim que entregam a castanha na cantina. Antes eles tinham que esperar até sete meses para receber o dinheiro pelo produto coletado, devido a uma logística complexa de transporte e venda dos produtos."Antigamente você vivia humilhada pelos atravessadores. Eles chegavam e falavam pra ti que iam pagar R$ 10 na caixa de castanha e você aceitava aquilo porque não tinha pra onde vender. Hoje as cantinas fecham o contrato sobre o preço da castanha e o atravessador tem que comprar naquele preço. Então, tem mais segurança pra nós, tem mais lugar pra correr atrás, não tem só aquela opção", ressalta Raimunda.
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