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Intervenção federal no Rio manteve "modelo de guerra", diz professora

31/12/2018 16h34

A intervenção federal na segurança pública no Rio de Janeiro aprofundou um modelo que percebe os problemas da violência e da criminalidade como uma questão de guerra e, por isso, poderiam ser resolvidos com operações, tiroteios, equipamentos de combate e aumento de confrontos. A avaliação é da cientista social Sílvia Ramos, coordenadora do Observatório da Intervenção da Universidade Cândido Mendes.

Para a especialista, o problema da segurança pública do Rio deveria ser tratado com ações de inteligência, investigação e operações que preservem as vidas dos moradores e dos próprios policiais.

"O que nos parece é que a intervenção optou por este modelo bélico que o Rio de Janeiro já conhecia e se aprofundou. Os nossos indicadores são de aumento de 57% no número de tiroteios nesse período e de aumento de mortes provocadas pela polícia de 39%", disse, citando dados do Observatório.

Silvia Ramos, especialista do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes - Tânia Rêgo/Agência Brasil

A professora reconhece que a intervenção registrou queda em alguns indicadores, especialmente no que se refere aos roubos de carga, o que, para ela, é importante para os empresários. Ela destaca, entretanto, que é preciso haver redução nos crimes contra a vida.

"O que dizemos é que violência tem solução. O caso do Rio não é que seja um caso perdido. É um caso de políticas de segurança erradas, por isso, aumentaram os tiroteios de balas perdidas e de mortes decorrentes de intervenção policial", avaliou.

Outro ponto que, para a professora, tem que ser atacado é a desarticulação de facções do crime e de milícias. "São esses grupos de pouca gente que produz alta letalidade e muito dano, muito desespero para muitas comunidades. É preciso focalizar na redução e no impedimento na entrega de armas longas nas mãos de criminosos", afirmou.

Como exemplo de operação bem-sucedida e sem confronto, Sílvia Ramos lembrou a apreensão de 20 fuzis feita por agentes da Polícia Rodoviária Federal, no dia 4 de setembro, durante uma blitz na Rodovia Washington Luiz (BR-040), na altura de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. De acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), o material seria entregue no Complexo da Maré, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, onde quadrilhas armadas controlam o território.

"Os moradores de favelas sabem o que é ficar no meio de um tiroteio, o que é não ter aula na escola porque houve uma operação policial, o que é ter um posto de saúde fechado porque tem bandidos se enfrentando com policiais ali", destacou Silvia.

Balanço

Armas obsoletas e sem condições de uso na atividade policial são destruídas como parte das ações estruturantes conduzidas pelo Gabinete de Intervenção Federal - Tânia Rêgo/Arquivo Agência Brasil

Depois de dez meses, a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro registrou redução de 23% no número de casos de roubo de carga em novembro deste ano (725 casos) na comparação com o mesmo mês de 2017.

De março a novembro, houve queda de 5,9% nos roubos de rua - 105.728 em 2017 para 99.519, em 2018 - e de 7,7% nos roubos de veículos - de 41.383 para 38.208. Já os latrocínios (roubos seguidos de mortes) registraram redução de 33,7%, passando de 172 no ano passado para 114 em 2018.

Em cerimônia de encerramento na semana passada, o interventor federal na segurança pública do Rio de Janeiro, general Walter Braga Netto, disse que a intervenção atingiu os objetivos de recuperar a capacidade operativa dos órgãos de segurança pública e baixar os índices de criminalidade. "Temos a convicção de que trilhamos um caminho difícil e incerto, mas cumprimos a missão", destacou. 

Decretada em 16 de fevereiro pelo presidente Michel Temer, a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro termina hoje (31).