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Idealizador da Apac quer que Bruno faça propaganda de modelo prisional

Ex-goleiro Bruno chegou a se casar com sua atual esposa na Apac, em 2016 - Alex de Jesus/O Tempo/AE
Ex-goleiro Bruno chegou a se casar com sua atual esposa na Apac, em 2016 Imagem: Alex de Jesus/O Tempo/AE

José Maria Tomazela

Em Sorocaba (SP)

02/03/2017 18h55

"A Apac é uma obra de Deus." A frase, dita pelo ex-goleiro do Flamengo, Bruno Fernandes das Dores de Souza, no dia em que deixou a unidade da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) de Santa Luzia, na região metropolitana de Belo Horizonte, vai virar tema de uma campanha para divulgar o sistema alternativo de cumprimento de pena ainda pouco conhecido no Brasil. O advogado Mário Ottoboni, de São José dos Campos, idealizar do método Apac, quer que o goleiro Bruno seja uma espécie de garoto-propaganda desse regime prisional.

Condenado a 22 anos e três meses pela morte de Eliza Samúdio, em 2010, Bruno obteve autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) para aguardar o julgamento do recurso em liberdade e deixou a prisão no último dia 24.

"Ele conheceu o sistema convencional e a Apac, então tem condições de falar sobre os dois. O que o Bruno tem dito à imprensa é que a Apac o salvou, então ele já está fazendo propaganda da Apac. Estou à espera de um contato dele para uma conversa sobre isso", disse Ottoboni. Antes de ser transferido para a Apac de Santa Luzia, em setembro de 2015, Bruno havia passado cinco anos em presídios de segurança máxima do Rio de Janeiro e de Minas Gerais.

Ottoboni acredita que o ex-goleiro Bruno aceitará divulgar o modelo de prisão que o ajudou na sua recuperação. "Ele ganhou vida nova lá, fez seis cursos, conseguiu visitar as filhas e até se casou dentro da Apac."

O escritório do advogado Lúcio Adolfo, que defende Bruno, informou que apenas ele poderia falar a respeito. O ex-goleiro não foi localizado.

Para um preso ser selecionado para a Apac, sua família precisa morar na região da unidade e ele deve manifestar disposição de seguir uma disciplina rigorosa, que inclui horas de estudo e trabalho. Não há agentes armados, e os próprios detentos preparam suas refeições.

O método desenvolvido por Ottoboni foi exportado para países como Alemanha, Argentina, Estados Unidos, Inglaterra, País e Gales Nova Zelândia e Noruega. No Brasil, são cerca de 100 centros em apenas quatro Estados, a maioria em Minas Gerais. O modelo foi reconhecido pelo Prison Fellowship Internacional, organização que atua como órgão consultivo da Organização das Nações Unidas (ONU) para assuntos penitenciários, como uma alternativa para humanizar a execução da pena.

Na Apac, o custo do preso é 50% menor do que em uma cadeia comum, e não são admitidos integrantes de facções. "Os presídios brasileiros são faculdades do crime, não recuperam ninguém. O preso fica enjaulado, esquecido e abandonado à própria sorte. Aí a facção oferece proteção para a família, drogas e mordomias e o sujeito acaba virando operário do crime", diz Ottoboni.

Fora de Minas

Em São Paulo, no final da década de 1990, as Apacs foram substituídas pelos 22 Centros de Ressocialização (CR), onde os presos têm à disposição serviços de saúde, atendimento odontológico, psicológico, jurídico, social e educativo, além de trabalho. As unidades são administradas pela Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), que assegura que o sistema possibilita participação na comunidade e a recuperação dos detentos.

Embora não seja considerado um modelo alternativo de cumprimento de pena, a Pastoral Carcerária, ligada à Igreja católica, oferece assistência religiosa e social aos internos do sistema prisional. A estrutura inclui uma coordenação nacional e representantes nos Estados. São cerca de mil agentes voluntários, apoiados por uma equipe jurídica com advogados e estagiários, que prestam assistência aos presos, seus familiares e egressos. A Pastoral também atua junto a governos e órgão de direitos humanos pela melhoria nas condições das prisões.

Em Porto Alegre, a gaúcha Carmela Grune desenvolveu o projeto Direito no Cárcere, em que estabelece com os detentos plataformas de expressão por meio da cultura popular e da educação inclusiva. O projeto, iniciado em 2011, ainda está restrito às alas de dependentes químicos do Presídio Central de Porto Alegre, mas já beneficiou 650 detentos. Entre as atividades estão palestras, oficinas de composição, artes plásticas, literatura, fotografia e vídeo, além de práticas esportivas.

Pegadas

Na Argentina, o Serviço Penitenciário Federal está usando o adestramento de cães como ferramenta de reinserção de presos na sociedade. O programa é destinado a quem cumpre o final da pena, sob o argumento de que o animal oferece ajuda profissional ao detento e, ao mesmo tempo, o prepara para seguir a profissão de adestrador.

Chamado "Huellas de Esperanza" (Pegadas da Esperança), o projeto começou em 2011 e, no ano passado, foi levado a uma unidade prisional de mulheres argentinas e estrangeiras, geralmente condenadas por terem sido flagradas como "mulas" de traficantes de drogas.

Além da adesão voluntária ao programa, o detento precisa preencher requisitos de bom comportamento e afeição por animais. Dez detentos homens e 18 mulheres já passaram pelo programa, que dura cerca de dois anos, dependendo das condições do animal. "Nosso objetivo é que exista violência zero contra o animal e que o preso saia com uma alternativa de trabalho, no adestramento ou em pet shops, como já ocorreu com alguns deles que hoje estão livres e encontraram no adestramento de cães e gatos a forma de reinserção social", disse Julio Cepeda, coordenador do programa, à BBC Brasil.