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Um ano após tragédia na Grande SP, perna vira 'Godzilla'

Ana Clara usa prótese no lugar da perna amputada após desabamento  - Hélvio Romero/Estadão Conteúdo
Ana Clara usa prótese no lugar da perna amputada após desabamento Imagem: Hélvio Romero/Estadão Conteúdo

Felipe Resk

São Paulo

10/03/2017 09h00

Até poucas semanas atrás, Ana Clara do Nascimento, de 6 anos, fechava os olhos para tomar banho. Queria evitar olhar para baixo e ver que lhe falta a perna esquerda, amputada após ser vítima de um deslizamento em um temporal que deixou há um ano 25 mortos na Grande São Paulo. O resgate de Clara, que ficou com o pé preso por uma viga, comoveu até mesmo bombeiros mais experientes. Isso para uma corporação que atende mais de uma ocorrência de desabamento ou soterramento por dia no Estado.

Só em 2016 foram 584 registros em São Paulo, segundo dados da Secretaria da Segurança Pública (SSP). O número é 12,7% maior do que no ano anterior, quando houve 518 notificações, e inclui de ocorrências sem vítimas, como quedas de telhado, a casos mais graves.

Um ano depois da tragédia, Clara vive em uma casa bem na frente da antiga, em Francisco Morato, atrás do córrego que transbordou na enchente. Muita coisa mudou nesse tempo. Adaptada à prótese, a menina não para quieta. Brinca, corre, escala. Para surpresa da família, até faz troça da perna amputada quando, por exemplo, esbarra no sofá ou em uma cadeira. "Não fui eu, mamãe. Foi o Godzilla", é o bordão que repete desde que batizou a parte do corpo com o nome do monstro japonês.

Na casa nova, a cozinheira Antônia Costa Gonzaga, de 48 anos, mãe de criação, teme uma nova enchente. Clara, não. "A casa não cai", repete para tranquilizar a família, quando se anuncia um temporal. Hoje, a menina só evita usar short para ir à escola, para não ouvir perguntas sobre sua perna de metal.

'Fim do mundo'

Naquela manhã de 10 de março, Antônia acordou assustada com a chuva em Francisco Morato. Havia sonhado com temporal e desabamento. A água caiu o dia todo e à noite infiltrações inundavam a sala, a cozinha, os quartos.

"Acorda! É o fim do mundo!", disse aos filhos. Saiu a tempo de ver a casa desmoronar. "Cadê a Clarinha?", gritou. Ela estava sob escombros. Antônia viu a filha Janaina Costa, de 29 anos, ser resgatada. "A Clara não saiu, está morta embaixo do barranco", repetia a cozinheira. A família, então, ouviu uma vozinha no meio dos entulhos. "Estou aqui! Tira eu!", dizia a menina, que havia se escondido sob a cama.

Naquela noite, o médico socorrista Raphael Caggiano, de 33 anos, do Grupo de Resgate e Atenção às Urgências e Emergência (Grau), estava na base dos Bombeiros na Casa Verde e foi para Mairiporã e Francisco Morato. Ele se lembra do resgate. "A Ana Clara ficou consciente todo o momento, conversando com a gente, falando dos animais de estimação. Ficar com uma criança todo esse tempo cria um vínculo."

A madrugada era fria e havia risco que a menina podia entrar em hipotermia. "Ou corríamos o risco de perdê-la ou tirávamos a perninha dela. Nós optamos por salvá-la. Foi a decisão mais difícil da minha vida até hoje." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.