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Delator, Sérgio Machado vive sua 'prisão domiciliar' antes da pena

Sérgio Machado, em foto de 2015 - Luciana Whitaker/Valor
Sérgio Machado, em foto de 2015 Imagem: Luciana Whitaker/Valor

Ricardo Galhardo, enviado especial

São Paulo

05/08/2017 21h00

Mais de um ano depois da homologação de um acordo de delação premiada que lhe tem garantido o direito de não passar nem um dia sequer na cadeia, o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado vive como se estivesse numa prisão domiciliar de luxo.

Machado, ex-senador, que confessou ter desviado ao menos R$ 100 milhões para aliados políticos, atualmente passa a maior parte do tempo recluso em casa com piscina, quadra, extensos jardins no alto de uma colina com vista para o mar azul da Praia do Futuro.

A residência toma meio quarteirão no Bairro de Dunas, um dos mais nobres e caros de Fortaleza, onde também moram expoentes do mundo empresarial e político do Ceará como o ex-governador e senador Tasso Jereissati, presidente interino do PSDB e ex-aliado de Machado.

Machado não sofre qualquer restrição legal. Formalmente, é um homem livre. O acordo de delação negociado com a Procuradoria-Geral da República (PGR) e homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) tem uma cláusula que lhe facultava a opção de cumprir antecipadamente a pena, já que os processos referentes à Transpetro ainda não foram julgados. Recentemente, a eficácia do acordo foi questionada pela Polícia Federal.

Alegando razões de "foro íntimo", Machado optou por não antecipar a pena. Aos raros interlocutores, o ex-presidente da Transpetro diz estar se sentindo ameaçado porque acusou "políticos profissionais dispostos a qualquer coisa para se salvar". A um amigo, o ex-senador, que tem 70 anos, afirmou que está preparado "para passar o resto" dos seus dias "por conta desta luta". Quando comenta sua situação, reclama que "é como se a prisão domiciliar já tivesse começado".

Pelo acordo, Machado vai cumprir três anos de prisão domiciliar seja qual for o resultado dos inquéritos nos quais está envolvido. Cumpridos dois anos e três meses, passará para o regime semiaberto diferenciado. Ele pode ser condenado a no máximo 20 anos de reclusão, mas se as penas ultrapassarem os três anos serão automaticamente convertidas na punição alternativa.

Temendo retaliações, Machado passa a maior parte do tempo na casa de Dunas que teve a segurança reforçada. Pelo menos três camadas de segurança protegem Machado. A primeira formada pelos vigias do bairro. Como na maioria das áreas ricas das grandes cidades, as ruas de Dunas são praticamente desertas.

Apenas carrões e as motos de seguranças circulam pela região. Existem relatos de equipes de reportagem abordadas e intimidadas pelos vigias. Além disso a casa tem uma equipe de ao menos oito seguranças fortemente armados e equipados com coletes à prova de balas que ficam no interior da residência. Na semana passada, a reportagem do Grupo Estado esteve no local sem avisar e foi atendida por um deles, que disse gentilmente: "O doutor Sérgio não está. Deu uma saidinha".

Academia

Machado tem ainda uma equipe de guarda-costas que o acompanha nas cada vez mais raras aparições públicas e impede qualquer pessoa de chegar perto do ex-presidente da Transpetro. Mas não evita situações embaraçosas. Ele foi hostilizado em uma visita ao Shopping Del Passeo e na academia onde se exercitava sob a orientação do bicampeão mundial de vôlei de praia Roberto Lopes foi chamado de ladrão.

Outros frequentadores chegaram a procurar a direção da academia para reclamar. Machado parou de frequentar o local. Amigos e ex-aliados viraram a cara para o ex-senador e ex-candidato ao governo do Ceará. No PMDB local, partido ao qual era filiado, é visto como inimigo.

Machado e sua família também viraram alvo de boatos e fofocas. Na capital cearense alguns juram tê-lo visto com tornozeleira eletrônica, o que não é verdade.

Segundo fontes da alta sociedade de Fortaleza, os quatro filhos de Machado se mudaram para o exterior. Dois moram em Nova York, um em Londres e Serginho, que rompeu com o pai depois do escândalo, estaria morando no mega-condomínio Saint Regis, em Miami, onde o ex-jogador Ronaldo Fenômeno e o apresentador Fausto Silva têm apartamentos.

Gente do entorno de Machado nega e diz que os boatos foram alimentados pela família por questões de segurança. Segundo pessoas próximas, hoje o ex-senador se limita a ir às missas de domingo na Igreja Nossa Senhora de Fátima, também em Dunas, onde costuma se aconselhar com o padre Edcarlos Isaías de Souza, e visitar a mãe, dona Deisy, de 90 anos.

Na casa das Dunas - alugada - Machado vive entre leituras e escritos ao lado da mulher, seguranças e cinco empregados, entre eles um garçom. Mas não deixa de reclamar. "Esta casa tem aparência antiga e muros altos, inclusive do lado de dentro", disse ele a um amigo.

‘Estancar a sangria’

Na delação, o ex-presidente da Transpetro diz ter desviado R$ 100 milhões para mais de 20 políticos de diversas legendas e envolve diretamente o presidente Michel Temer, que nega irregularidades.

Mas o político cearense ficou famoso pelas gravações secretas que fez com políticos graúdos com os quais tinha intimidade, como o ex-presidente José Sarney e os senadores Renan Calheiros (PMDB-AL) e Romero Jucá (PMDB-RR), em uma espécie de antecipação do método que seria usado por Joesley Batista, dono da JBS.

Em uma delas Jucá diz a frase: "Tem que mudar o governo para poder estancar essa sangria". Além das delações, Machado se comprometeu a devolver R$ 75 milhões dos quais, segundo ele tem dito a pessoas próximas, ainda faltam R$ 20 milhões. Em relatório de inquérito que investiga Jucá, Sarney e Renan por obstrução da Justiça, a delegada da PF Graziela Machado da Costa e Silva pede a revogação dos benefícios concedidos ao ex-presidente da Transpetro.

Machado diz aguardar com "tranquilidade" a manifestação da PGR sobre o documento da PF. Ele tem dito perceber "forte atuação" dos políticos investigados na repercussão do caso e estranhar que outros arquivamentos feitos pela PF não tenham tido o mesmo destaque.

Outro lado

"Importante relembrar que o acordo de colaboração premiada firmado entre Sergio Machado e o Ministério Público Federal é bem mais amplo que os fatos investigados no referido inquérito policial. Sergio Machado foi responsável pela elaboração de 13 (treze) anexos nos quais abordou temas distintos, os quais resultaram na instauração de diversos procedimentos para averiguação dos mais diferentes crimes, como doações ilegais de campanha, negociações ilícitas com estaleiros, recebimento de dinheiro de empresas privadas para continuidade da relação com a estatal que presidia, doações de grupos empresariais ao PMDB, além de fatos delituosos envolvendo diversos agentes políticos. Tudo isso suportado por vastas provas materiais já entregues à Justiça", informou a defesa do ex-executivo da Transpetro em nota enviada à imprensa.

Ainda de acordo com a defesa, foram abertos sete procedimentos no STF em decorrência de seus depoimentos. 

"Sergio Machado confessou exatamente o que sabia quanto aos fatos, e está cumprindo de forma rigorosa as obrigações previstas em seu acordo de colaboração. Dessa maneira, tendo em vista o recente posicionamento do Supremo Tribunal Federal, o eventual insucesso de um dos inquéritos policiais instaurados não pode servir de base a questionamento de sua colaboração processual", termina a defesa.