Herdeira de apartamento em São Bernardo diz foi avisada de que venda era para Lula
Ricardo Brandt, Julia Affonso, Fausto Macedo e Luiz Vassallo
São Paulo
29/09/2017 15h22Atualizada em 30/09/2017 17h18
A herdeira do apartamento 121 do Edifício Hill House - que a força-tarefa da Lava Jato acusa ser um presente dado a Lula, registrado em nome de um "laranja" -, Tatiana de Almeida Campos, informou à Receita Federal que em 2010, quando foi feita a escritura de cessão de direitos do imóvel, foi informada por sua advogada que o bem estava sendo alienado para o ex-presidente.
A defesa do ex-presidente divulgou nota nesta sexta-feira (29) onde afirma que Tatiana, em depoimento ao juiz Sergio Moro, negou que tenha lido ou visto algo relacionado ao petista na transação. Segundo o advogado Cristiano Zanin Martins, a referência a Lula foi feita pelos advogados dela, para que assinasse os documentos de venda.
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O apartamento é o vizinho ao que Lula mora, na cobertura do Hill House, em São Bernardo do Campo (SP), e é usado pelo petista desde 2003, pelo menos. Até 2007 era alugado pelo PT do falecido pai de Tatiana, Augusto Moreira Campos. De 2007 a 2011 foi a Presidência da República que locou o imóvel, que era usado durante os dois mandatos do petista para abrigar as equipes de segurança.
Em 2010, com a morte do proprietário em fevereiro de 2009, o apartamento 121 foi comprado por Glaucos da Costamarques, primo do pecuarista José Carlos Bumlai, por R$ 504 mil, em negócio conduzido pelo advogado Roberto Teixeira, compadre do ex-presidente. Lula é réu na Lava Jato em Curitiba acusado de ter recebido esse apartamento e um terreno de R$ 12 milhões da Odebrecht, no esquema de corrupção descoberto na Petrobras.
Filha do antigo dono do apartamento 121, Tatiana informou à Receita, em 2016, em documento anexado ao processo, que em 20 de setembro de 2010 sua advogada Lacier Pereira de Almeida Souza, que é sua prima, a buscou para "assinar a venda da cobertura, apto 121, para o Lula". "Foi isso que ela me falou no táxi, na ida ao cartório."
"Como eu confiava muito nela, somente perguntei se estava tudo correto, ela fez um sinal positivo e me disse onde assinar. Eu não li nada, simplesmente assinei acreditando estar vendendo a cobertura para o Lula. O valor era R$ 504 mil (hoje desconfio ter sido muito mais, mas não posso dizer com certeza)", escreveu Tatiana.
Tatiana afirma que só em 2016 tomou conhecimento que o verdadeiro comprador era Glaucos Costamarques, após ter sido revelado pela Lava Jato. "Pra mim ele (Lula) era o dono, de modo que se perguntarem à minha família, todos vão dizer que eu 'vendi' a cobertura do meu pai para o Lula."
No documento de 12 maio de 2016 enviado para a Receita, a herdeira diz que só em 2016 buscou o cartório e descobriu que não se tratava de uma venda e sim de uma cessão de direito hereditário e que o bem ainda estava em nome do falecido pai, não tendo sido oficialmente transmitido a Costamarques.
Um mês antes, em 1º de fevereiro de 2011, Costamarques assinou um contrato feito por Teixeira de locação do apartamento em nome da ex-primeira-dama Marisa Letícia (que morreu em fevereiro), na condição de cessionário, tendo como cedentes a viúva Elenice Silva Campos e a filha Tatiana.
Na ação de inventário do imóvel, Teixeira, como representante de Costamarques, noticiou a cessão de direitos hereditários e de meação assinada em setembro de 2010 e requereu a adjudicação do apartamento 121 em favor do primo de Bumlai em 1º de julho de 2016 - quase seis anos depois, quando Lula já era alvo dos processos da Lava Jato.
A herdeira relata no documento que, antes da venda do apartamento 121 para Costamarques, houve um tentativa de a excluírem da propriedade, em 2009, em uma partilha amigável que ela diz nunca ter assinado. "Em 2013 comecei a estudar Direito, para poder entender melhor tudo que estava acontecendo, e também porque sempre que eu falava isso tudo para um advogado ele dizia: 'deixa isso, você vai mexer com a máfia do PT? Pode correr risco de morte'."
Inquilino
Lula afirma que é inquilino do imóvel, que foi alugado em 2011 por dona Marisa para receber os filhos e ser usado para reuniões políticos. Na semana passada, o defensor do ex-presidente Cristiano Zanin Martins, que é genro e sócio de Teixeira, apresentou 26 recibos, que vão de 2011 a 2015, para comprovar que os aluguéis eram pagos normalmente.
Em nota divulgada nesta sexta-feira (29), a defesa do ex-presidente afirmou que Tatiana de Almeida Campos, em depoimento ao juiz Sergio Moro, disse que a referência a Lula “decorre apenas uma afirmação feita pelos seus advogados à época para que ela assinasse os documentos de venda”. Segundo a defesa, Tatiana negou que tenha lido ou visto algo em relação ao petista na transação.
Só a partir de novembro de 2015, quando Glaucos afirmou ter sido informado por Teixeira que passaria a receber aluguel, é que a Lava Jato identificou nos extratos bancários do laranja "depósitos em dinheiro em seu favor em valores compatíveis com o suposto aluguel".
Após a entrega dos recibos pela defesa de Lula, Glaucos disse por meio de seus advogados que os documentos foram assinados por ele no mesmo dia, em novembro de 2015, quando Teixeira o teria informado que passaria a pagar os aluguéis.
A acusação do MPF nesse processo diz que Lula, dona Marisa (que deixou de figurar no processo após a morte), Costamarques e Teixeira agiram "em conluio" e "dissimularam a origem, disposição, movimentação e propriedade de R$ 504 mil, provenientes, direta e indiretamente, dos crimes de organização criminosa, cartel, fraude à licitação e corrupção praticados pelos executivos do Grupo Odebrecht", na Petrobras.