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'STF precisa terminar os processos da Lava Jato', diz Joaquim Falcão

O ministro do STF Edson Fachin, relator da Lava Jato - Pedro Ladeira 11.out.2017 /Folhapress
O ministro do STF Edson Fachin, relator da Lava Jato Imagem: Pedro Ladeira 11.out.2017 /Folhapress

Vítor Marques

São Paulo

18/12/2017 13h00

A prisão em segunda instância é um tema decisivo para o futuro do combate à corrupção no Brasil. A opinião é do professor de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Direito Rio, Joaquim Falcão, de 74 anos. "O Supremo está dividido", afirmou ele.

Em outubro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 6 votos a 5, pela admissibilidade da prisão após condenação pela Justiça de segundo grau. O caso, no entanto, pode ser revisto em 2018, uma vez que a Advocacia-Geral da União (AGU), que defende a revisão do entendimento, enviou uma manifestação ao Supremo.

"A sociedade precisa que o Supremo termine seus julgamentos da Lava Jato e de milhares de outros", disse o jurista e autor da publicação História Oral do Supremo, lançada pela própria FGV Direito Rio.

No mês passado, foram publicados os seis últimos livros da coleção de 21 volumes - cada volume corresponde a um dos ministros que ocuparam a Corte entre os anos de 1988 e 2013. Abaixo, leia os principais trechos na entrevista concedida ao jornal "O Estado de S. Paulo".

Os seis novos volumes da História Oral do Supremo fecham um ciclo de 25 anos da Nova República, de 1988 a 2013. Qual a importância de uma obra como essa?

O Direito não caiu dos céus nem caiu dos países que, em geral, são tomados como fonte: Itália, Estados Unidos, Alemanha e Portugal. O Direito nosso pode ter sido inspirado, mas é um Direito feito aqui. E quando ele é feito aqui, ele tem conformações próprias. Não se ensina quase mais história do Direito nas faculdades. O objetivo (do livro) é conhecer a nós mesmos e termos um Direito com base na realidade, um constitucionalismo feito de realidade brasileira.

Qual o momento mais marcante do Supremo nestes últimos 25 anos?

Algo que fica muito claro na História Oral é a participação do Supremo na escolha do presidente (José) Sarney. O próprio Sydney Sanches (ex-ministro do STF) diz que foi acordado à noite para decidir quem assumia, se era Ulisses (Guimarães) ou Sarney. E nesta edição, o Octavio Gallotti (ex-ministro do STF) confirma isso. Eles conversaram com Moreira Alves (ex-ministro do STF). O consenso foi de que cabia ao vice-presidente. O interessante é que isso não foi feito em sessão formal, no plenário. Isso foi feito no apartamento deles. Existe o Supremo do plenário, mas também existe o Supremo do corredor e do apartamento. E a decisão da transição a favor de Sarney foi feita nas convicções de diálogos informais que ocorreram naquela época. A vantagem do História Oral é que ele capta principalmente os momentos humanos, informais, políticos, opiniões não oficiais. Isso nos faz compreender melhor certas decisões. Essa é a importância da história do Supremo, ela revela muito mais do que está nos autos.

O senhor já disse que 90% das decisões do Supremo não são do Supremo, mas sim dos ministros individualmente. Por que isso ocorre?

A Constituição garante ao cidadão ser julgado por uma Corte Suprema, então eu, pessoalmente, acho que é inconstitucional, é burlar, é ofender o direito do cidadão ele ser julgado por um ministro só. O que a Constituição lhe garante é o julgamento de uma instituição. Essa instituição é uma Corte, um colegiado. Agora, você começa essa inconstitucionalidade com uma excessiva centralização do Supremo que, no fundo, torna quase que os julgamentos de primeira instância e dos tribunais sem a força necessária. A força jurídica se concentrou no Supremo e ao se concentrar ele torna as outras instâncias se não irrelevantes muito menos decisivas.

O Supremo é uma Corte constitucional, mas também trata de assuntos de outras esferas. Isso não ocorre em outros países. O STF está sobrecarregado?

O Supremo tem artérias que levam mais sangue do que o coração aguenta. Isso são os recursos, os agravos de instrumento, os recursos especiais.

Em artigo publicado na Folha de S.Paulo, o senhor disse que está em curso uma ‘defesa legal da corrupção sistêmica’, buscando-se dividir o Supremo e torná-lo inseguro. O que seria essa ‘defesa legal da corrupção sistêmica’ a qual o senhor se refere?

Existe proposta para estender o foro privilegiado para ex-presidente da República. Isso é legal, se o Congresso aprovar. Mas claramente é um objetivo para proteger ex-presidentes denunciados ou investigados por corrupção. Então você faz uma lei legal que, no fundo, é um abuso de poder. Você tem várias propostas em curso que têm uma aparência legal, mas é um abuso de direito.

Mas o senhor acredita que o Congresso poderia aprovar a extensão de foro a ex-presidentes?

É uma hipótese possível, uniria o PT e o PMDB, mas não acredito que seja provável.

A prisão em segunda instância é motivo de polêmica no meio jurídico e gera divergências dentro do próprio Supremo. Há uma possibilidade de modificação da jurisprudência do STF quando esse julgamento ocorrer?

Esse é um tema decisivo para o futuro do combate à corrupção. Acho que o Supremo está dividido e está havendo um jogo político. Uns querem votar mais rápido e outros querem adiar. Para o estado democrático de direito bastam duas decisões: uma decisão monocrática de um juiz de primeira instância e uma decisão de um tribunal. Essa questão é uma anomalia nossa feita pela ideologia dos processos. Tome o exemplo dos Estados Unidos: bastam duas decisões; aqui temos seis. Isso é uma prorrogação, como se o jogo de futebol fosse prorrogado indefinidamente.

O senhor acredita que Lava Jato promoveu um ‘novo padrão’ para a Justiça brasileira?

O (ex) ministro Joaquim Barbosa (do STF) diz que um dos objetivos dele era começar e terminar o mensalão. E ele conseguiu. Ele terminou. A questão toda é essa hoje em dia. É que o Supremo não termina. Então a sociedade precisa que o Supremo termine seus julgamentos da Lava Jato e de milhares de outros. Demorou dez anos sobre essa questão da poupança dos bancos. Quando o Supremo adia por dez anos uma decisão monetária ele faz política monetária, ele faz política pública. E quem tem que fazer isso é o Executivo. O ativismo processual é o problema nosso hoje. É através do ativismo processual que o Supremo faz política pública, o que fica evidente neste caso dos bancos.

O líder das pesquisas de intenção voto, Lula, já foi condenado na Lava Jato e pode até ficar inelegível. Esse caso pode chegar ao Supremo?

Possível tecnicamente, mas não provável politicamente.