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França usou helicóptero da PM em atos políticos e para jantar na praia

27.nov.2018 - Governador Márcio França durante assinatura de termo de cooperação entre Procuradoria Geral do Estado e Tribunal de Justiça de São Paulo - Roberto Casimiro/Fotoarena/Estadão Conteúdo
27.nov.2018 - Governador Márcio França durante assinatura de termo de cooperação entre Procuradoria Geral do Estado e Tribunal de Justiça de São Paulo Imagem: Roberto Casimiro/Fotoarena/Estadão Conteúdo

Fabio Leite e Bruno Ribeiro

São Paulo

17/02/2019 09h23Atualizada em 18/02/2019 12h33

Alvo de investigação do Ministério Público de São Paulo pelo suposto uso indevido de helicópteros da Polícia Militar na sua gestão, o ex-governador do estado Márcio França (PSB) embarcou nas aeronaves do governo para se deslocar a uma série de compromissos políticos e particulares durante seus quase nove meses de mandato, em 2018.

Registros da Secretaria da Casa Militar obtidos pelo jornal O Estado de São Paulo por meio da Lei de Acesso à Informação mostram que França voou nos helicópteros da PM para participar de convenções de partidos que o apoiaram na eleição, de encontros com líderes religiosos aliados, para assistir a um jogo de futebol no estádio e jantar com a mulher em uma hamburgueria em Santos, no litoral sul paulista.

Ao todo, foram 365 voos pelo Estado entre os dias 7 de abril, quando França assumiu o governo após a renúncia de Geraldo Alckmin (PSDB), e 31 de dezembro, quando ele deixou o cargo após perder a eleição para o tucano João Doria. A soma dos tempos de voos chega a 169 horas, o que equivale a uma semana inteira no ar - cada hora de voo custa R$ 5,9 mil a preço de mercado. Em menos de nove meses, França fez 83% mais decolagens do que Alckmin em todo o ano anterior: 199.

Quinze diferentes helicópteros Águia da PM paulista foram utilizados por França em seus deslocamentos aéreos. A maioria dos percursos foi feita com o modelo executivo Eurocopter EC135, prefixo PR-GSP. Adquirido em 2010 para transporte de autoridades, a aeronave foi transferida em 2017 da Secretaria de Logística e Transportes para o Grupamento de Radiopatrulha Aérea da Polícia Militar pelo valor de R$ 12,9 milhões.

Situações em que França usou o helicóptero

  • 7 de abril: saiu do heliporto da Ecovias na Imigrantes, em São Bernardo do Campo, e foi até o Campo de Marte para participar de uma reunião da Igreja Renascer no antigo ginásio da Portuguesa. A igreja tem representantes no PSC, partido que apoiou e ganhou cargos de França. Evento não constou na agenda oficial.
  • 8 de abril: do Palácio dos Bandeirantes ao heliponto da Federação Paulista de Futebol, na zona oeste. E seguiu de carro para ver a final do Campeonato Paulista entre Palmeiras e Corinthians. Evento não constou na agenda oficial.
  • 22 de abril: foi da base aérea da PM na Praia Grande, a 9 km de seu apartamento no litoral, para o heliponto do Hotel Emiliano, no bairros dos Jardins, na capital, para se encontrar com o ex-prefeito e então adversário na eleição João Doria, na casa do tucano.
  • 11 de maio: França e a ex-primeira-dama voaram do Palácio até o heliponto do Hospital Samaritano, em Higienópolis, na capital, para participar do jantar em comemoração ao aniversário do ex-deputado federal Arnaldo Jardim. Evento não constou na agenda oficial.
  • 22 de julho: deixou Catanduva, no interior, onde havia visitado uma escola um dia antes, e desceu no Hospital Bandeirantes, na região central da capital, para participar da convenção do Solidariedade que oficializou apoio à sua reeleição
  • 23 de agosto: França, a mulher e dois ajudantes de ordem militares foram do Campo de Marte ao heliporto da Ecovias na Imigrantes para jantar em um endereço onde funciona uma hamburgueria na praia do Gonzaga, em Santos.
  • Novembro: ida a uma consulta médica no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo
  • Dezembro: quatro deslocamentos entre o Palácio dos Bandeirantes e o aeroporto de Itanhaém nos dias em que França foi para uma casa em Peruíbe, litoral sul de São Paulo.

O ex-governador também usou o Águia da PM para ir do Bandeirantes ao Campo de Marte pegar aviões fretados por seu comitê para fazer agendas de campanha no interior, em setembro e outubro, ou para ir a emissoras de rádio e TV conceder entrevistas como candidato. Foi assim no dia 1º de setembro, quando ele fez campanha em Ribeirão Preto, Franca e Araraquara.

A planilha obtida pelo jornal O Estado de São Paulo contém as datas dos voos, prefixo das aeronaves utilizadas, locais de destino, nomes dos integrantes que embarcaram na aeronave e o motivo do deslocamento aéreo. A reportagem já havia solicitado por meio da Lei de Acesso à Informação a relação de voos em maio e junho do ano passado, ainda no governo França, mas a Casa Militar não respondeu o pedido.

Carro ou helicóptero? Dependia do tempo

Principal destino dos voos de França fora da capital, o heliporto da Ecovias era usado quando as condições climáticas impediam a aeronave de descer a serra e pousar no litoral. Nestes casos, o restante do trajeto era feito de carro pela rodovia.

Quando as condições eram favoráveis nas viagens ao litoral, onde França nasceu e iniciou a carreira política, as aeronaves prosseguiam viagem e pousavam na base aérea da PM na Praia Grande, no aeroporto de Itanhaém ou no 2º. Batalhão de Infantaria Leve do Exército, que fica a 10 minutos da casa do ex-governador na Ilha Porchat, em São Vicente.

Foi assim no dia 22 de dezembro, quando a ex-primeira-dama Lúcia França voou do Palácio até a base aérea na Praia Grande acompanhada do neto e de uma outra criança para ir até um colégio, segundo registro da Casa Militar.

Em alguns de seus deslocamentos, o ex-governador também deu carona nas aeronaves da PM, como para o deputado estadual e líder de seu governo na Assembleia Legislativa, Carlos Cezar (PSB), no retorno de um encontro da Assembleia de Deus em Santo André, em abril. Em outro evento semelhante, em julho, foi o deputado federal Gilberto Nascimento (PSC) esteve a bordo.

Há dez dias, França entrou com um recurso no Conselho Superior do Ministério Público pedindo o arquivamento do inquérito, aberto em janeiro pelo promotor Ricardo Manuel Castro para investigar possível ato de improbidade administrativa por uso indevido das aeronaves. Não há prazo para decisão dos procuradores. Enquanto isso, a investigação fica suspensa.

O que diz Márcio França?

França afirmou, por meio de nota, que os helicópteros da Polícia Militar "nunca foram utilizados indevidamente" por ele e que "todo o modo de deslocamento do governador é definido pela Casa Militar".

Segundo ele, o órgão "segue normas institucionais" - decreto de 2004 - e o ex-governador "não tem ingerência nesse assunto". "A logística e a decisão do tipo de veículo, horários, planejamento e deslocamentos, quem acompanha e onde estaciona ou pousa o veículo, são de competência desses policiais e seus superiores."

Ainda de acordo com a nota, "todos os eventos" citados pela reportagem "foram compromissos do governador". "A ida ao estádio atendeu, por exemplo a convite do presidente da Federação Paulista de Futebol para a entrega da taça ao vencedor do Campeonato Paulista."

Sobre o jantar com a então primeira-dama em uma hamburgueria na praia do Gonzaga, informou que ambos haviam tido agenda oficial antes em Santos. França, segundo o texto, só usava helicópteros operacionais da PM quando a aeronave executiva destinada ao transporte de autoridades estava em manutenção e quando não havia prejuízo ao serviço policial.

Segundo a nota, "a esposa do governador, que sempre exerceu a função de presidente do Fundo Social de Solidariedade, sem remuneração, também tem tratamento semelhante nos seus deslocamentos".

Sobre o aumento do número de voos em comparação com Alckmin, disse que "imprimiu o ritmo de inaugurações, vistorias técnicas de obras e reuniões públicas que entendeu adequado para o momento do Estado e do País", sem relação com período eleitoral. A nota diz que as aeronaves usadas na campanha foram locadas pelo comitê e declaradas à Justiça Eleitoral. "Nunca foi usada aeronave oficial para evento eleitoral."

Ainda de acordo com França, o pedido de arquivamento da investigação foi feito porque o promotor se baseou em denúncia anônima, contrariando norma do Ministério Público que exige a identificação e qualificação do autor da denúncia.

O jornal O Estado de São Paulo não conseguiu localizar nos dois últimos dias a coronel Helena Reis, chefe da Casa Militar no governo França que autorizava os voos com helicópteros. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que foi publicado, o ex-governador Márcio França (PSB) usou helicóptero da Polícia Militar para ir ao jantar em comemoração ao aniversário do deputado federal Arnaldo Jardim (PPS), e não do ex-deputado federal Arnaldo Madeira (PSDB), no dia 11 de maio de 2018, conforme registro feito pela Secretaria da Casa Militar. O texto corrigido foi enviado.