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Professor diz que termo fake news abre espaço para censurar

Dias Toffoli, presidente do STF - Estadão Conteúdo - 17.abr.2019
Dias Toffoli, presidente do STF Imagem: Estadão Conteúdo - 17.abr.2019

Paulo Beraldo

Em São Paulo

20/04/2019 07h56

Os atritos entre o Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria-Geral da República por causa do inquérito aberto pelo presidente da Corte, Dias Toffoli, para investigar fake news e ameaças a ministros do tribunal, fazem parte de um "braço de ferro institucional" com "potencial implosivo", segundo avaliação do professor da USP Conrado Hübner Mendes.

Em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo", Hübner, que é doutor em direito, afirmou que o termo fake news é vago e abriu espaço para o STF censurar. Ontem, cinco dias após determinar à revista "Crusoé" e ao site "O Antagonista" que retirassem do ar reportagem que cita Toffoli, o ministro da Corte Alexandre de Moraes voltou atrás e derrubou a censura imposta aos veículos. Para Hübner, o inquérito do STF é "ferramenta obscurantista e intimidatória".

Como o sr. avalia esse choque entre Supremo e Procuradoria?

O braço de ferro institucional, feito com tamanho destempero e ausência de boas razões jurídicas do STF, não tem nada a contribuir com as próprias instituições envolvidas. É de imensa irresponsabilidade e tem grande potencial implosivo. Enquanto isso, movimentos antidemocráticos que ocuparam a política nacional agradecem a ajuda involuntária do STF.

Conrado Hübner Mendes - Marcelo Justo/Folhapress - Marcelo Justo/Folhapress
O professor da USP Conrado Hübner Mendes
Imagem: Marcelo Justo/Folhapress

Como enxerga o uso do termo fake news, relativamente vago, para justificar essas ações?

Fake news é uma expressão vazia e pode significar muita coisa. Como não há precisão nenhuma nesse documento de abertura do inquérito, nem quanto aos fatos, nem quanto aos investigados, nem quanto aos conceitos, a expressão tornou-se uma carta em branco para o STF censurar. A profusão de fake news, em escala industrial, é uma ameaça à democracia. É instrumento de manipulação dos fatos, das emoções e das opiniões. Manipulação da liberdade e do autogoverno, portanto. Ninguém pode ser livre se não consegue ter certeza sobre os fatos no mundo. Contudo, dito tudo isso, há ainda uma grande dúvida sobre como operacionalizar uma reação jurídica a isso. Não é simples diferenciar a fake news de uma notícia errada ou do erro jornalístico. O STF, passando por cima de qualquer complexidade, embarcou nessa empreitada, que faz muito mal a si mesmo.

Como avalia a abertura do inquérito pelo STF?

É um inquérito ilegal por diversas razões. O STF não tem competência para fazê-lo, pois a regra do regimento citada não vale para isso; um inquérito investiga fato determinado, não um tema genérico, como "ataques ao Supremo"; o presidente do STF designou arbitrariamente quem deveria presidir o inquérito, e não passou pela distribuição por sorteio entre ministros; para completar, o Ministério Público, que é quem pode instaurar a ação penal, pediu o arquivamento e o ministro rejeitou o pedido. Resolveu continuar um inquérito que legalmente será inócuo, mas politicamente permanecerá como espada de Dâmocles em cima da cabeça de qualquer um que fale mal do STF. É uma ferramenta intimidatória e obscurantista. Surpreende também o grau de desinteligência política da medida. O STF está com sua reputação no chão, e inventa uma ferramenta que corrói ainda mais a instituição.

É atribuição do Supremo instaurar um inquérito como esse?

O STF invocou artigo do regimento interno que diz respeito a inquérito sobre crime ocorrido na sede do tribunal. O dispositivo já é extravagante por si só, mas, mesmo que válido, não guarda relação com o inquérito. Além disso, há certa divisão no campo do processo criminal que o STF violou: quem investiga não denuncia nem acusa; quem acusa não julga.

A Procuradoria pode arquivar esse inquérito?

Do ponto de vista institucional e jurídico, não faz sentido prosseguir com o inquérito. Mas, como a institucionalidade já foi quebrada, estamos assistindo a um puro braço de ferro, não há um exercício de interpretação da norma jurídica. Se você perguntar para o ministro Alexandre de Moraes, ele tem uma resposta de algibeira: "Podem espernear à vontade, podem criticar à vontade. Quem interpreta o regimento do Supremo é o Supremo". Não bastasse o STF estar na linha de tiro, sua imagem estar corroída pelo seu desgoverno, o STF receber ameaças de milícias digitais e de autoridades públicas, como general do Exército, parlamentares, etc., o ministro ainda se dá ao luxo da grosseria.

Esse inquérito e as operações dele decorrentes podem trazer riscos à liberdade de expressão?

O STF está sob ataque. Contudo, instaurar um inquérito obscurantista, invocar a Lei de Segurança Nacional, praticar atos de busca, apreensão e suspensão das contas de redes sociais de indivíduos que postam "STF vergonha nacional! A vez de vocês está chegando" extrapola qualquer restrição legítima à liberdade de expressão que democracias consideram aceitáveis. Não é simples definir qual o limite da liberdade de expressão. A jurisprudência brasileira é uma balbúrdia. Dito tudo isso, me parece que o ato do STF extrapolou qualquer esfera aceitável da divergência. Mandar retirar conteúdo do ar, sem nenhum contraditório, é gesto de absoluto descontrole, um espasmo autoritário.

As informações são do jornal "O Estado de S. Paulo".

Alexandre de Moraes revoga decisão sobre reportagem

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