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Em julgamento com recados a Bolsonaro, STF rejeita ação do PSL contra ECA

Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) - STF / Secretaria de Comunicação
Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) Imagem: STF / Secretaria de Comunicação

Rafael Moraes Moura

Brasília

08/08/2019 20h45

Em um julgamento com recados ao presidente Jair Bolsonaro e à bancada conservadora do Congresso, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira, 8, rejeitar por unanimidade os pedidos formulados pelo PSL para suspender dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em vigor desde 1990. O partido de Bolsonaro questionava o atendimento da criança infratora por conselho tutelar e contestava a possibilidade de internação de jovens só quando houver grave ameaça ou violência ou quando infrações graves forem reiteradas.

Outro dispositivo do ECA contestado pelo PSL é o que proíbe a detenção de crianças e adolescentes para averiguação, ou por motivo de perambulação. A ação chegou ao Supremo em março de 2005, quando Bolsonaro ainda não integrava o PSL, mas membros da Corte ouvidos reservadamente afirmaram que o julgamento também serviu para dar recados e o tribunal firmar sua posição em defesa das crianças e dos adolescentes.

Durante a campanha eleitoral do ano passado, Bolsonaro afirmou que o ECA "tem de ser rasgado e jogado na latrina". "É um estímulo à vagabundagem e à malandragem infantil", afirmou o então candidato à Presidência da República. Bolsonaro e deputados conservadores também já se manifestaram a favor da redução da maioridade penal.

O relator da ação no STF, ministro Gilmar Mendes, apontou no julgamento para o risco de "verdadeiro cheque em branco para que detenções arbitrárias, restrições indevidas à liberdade dos menores e violências de todo tipo pudessem ser livremente praticadas, o que não pode ser admitido". "Uma maior restrição às liberdades civis e a expansão indevida do aparato policial são características típicas de políticas e regimes autoritários", observou Gilmar.

"Nesse sentido, cabe ao STF, enquanto guardião dos direitos e liberdades fundamentais, coibir condutas que, em última análise, enfraquecem as regras do regime democrático e do Estado de Direito", completou Gilmar.

"Assombração errada"

Na avaliação do ministro Luís Roberto Barroso, não é recrudescer com leis mais duras que contribuirá para resolver o problema da criminalidade. "Tem de ser a escola a suprir essa demanda das crianças. Não há solução fácil para um problema dramático como esse onde as variáveis são múltiplas", disse Barroso.

"Quem achar que o problema da educação no Brasil é escola sem partido (movimento que combate uma suposta doutrinação de professores em sala de aula), ideologia de gênero ou saber se 64 foi golpe ou não, está assustando com a assombração errada. Os problemas da educação no Brasil são a não alfabetização da criança na idade certa, a evasão escolar no ensino médio, o déficit de aprendizado - a criança termina o ensino fundamental e o adolescente termina o ensino médio e não aprenderam o mínimo que precisariam saber - e a pouca atratividade da carreira de professor do ensino básico", completou Barroso.

Ao concordar com os colegas, a ministra Rosa Weber afirmou que o ECA "há de ser visto com olhos de gratidão, porque vocalizou a proteção integral à criança e ao adolescente".

O decano do STF, ministro Celso de Mello, por sua vez, criticou os pedidos formulados pelo PSL na ação. "A mim me parece que o PSL, partido que hoje está no poder, formulou (na ação), segundo penso, uma postulação, ela própria, manifestamente inconstitucional, porque as normas legais fundadas no ECA são normas plenamente compatíveis com o que se tem no estatuto fundamental da República", comentou Celso, que se aposenta em novembro do ano que vem.

Ex-secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo e ex-ministro da Justiça do governo Michel Temer, o ministro Alexandre de Moraes defendeu a manutenção dos dispositivos do ECA contestados pelo PSL. "O que se pretende é criminalizar as condutas daqueles que pela Constituição e pelo ECA são sujeitos de direito; o que se pretende é penalizar as crianças e os adolescentes pela ausência de efetiva proteção integral que deveria ser realizada pelo Estado, pelo país e pela sociedade. Se falham todos esses, vamos então criminalizar as condutas das crianças e adolescentes que vagam pelas praças, internando todas?", questionou.

"É uma política de higienização terrível que, ao invés de buscar, como outras normas do ECA e do Direito Civil já pretendem, a integral proteção, criminalizam", disse Moraes.

Porte de armas

Na última quarta-feira, 7, o STF discutiu outro tema sensível ao governo Bolsonaro - o porte de armas para agentes socioeducativos.

Nesse caso, a discussão sobre uma lei de Santa Catarina que autoriza o porte de armas para agentes de segurança socioeducativos dividiu ministros na sessão de quarta-feira. Com cinco votos para derrubar o aval para o porte de armas desses profissionais e três para manter a autorização prevista na legislação catarinense, a discussão foi interrompida por um pedido de vista (mais tempo para análise) do ministro Gilmar Mendes.

Para declarar a inconstitucionalidade de uma norma estadual, são necessários seis votos. Cinco ministros se posicionaram nesta quarta contra a permissão do porte de armas para os agentes de segurança socioeducativos de Santa Catarina: Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio.

"O porte de armas é um assunto da mais alta importância, que deve ser disciplinado de forma centralizada pela União. Hoje há uma tendência no sentido de ampliar cada vez mais o rol de pessoas que podem portar armas, caminhoneiros, taxistas, isso me parece altamente contraproducente e, segundo as estatísticas nacionais e internacionais, só tende a aumentar a taxa de homicídios e acidentes com armas de fogo", afirmou Lewandowski naquela ocasião.

A discussão no Supremo sobre o porte de armas girou em torno de uma ação da Procuradoria-Geral da República (PGR), que alegou que o porte de arma de fogo é uma "questão nacional", cabendo à União legislar sobre a matéria, e não os Estados. A ação foi apresentada pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em julho de 2015. Não há previsão de quando o caso voltará a ser discutido pelo plenário.