Topo

MPF prevê 'efeito cascata' em 32 ações da Lava Jato

Amanda Pupo, Rafael Moraes Moura, Ricardo Brandt e João Ker

Brasília e São Paulo

29/08/2019 12h00

A decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que anulou a condenação do ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras Aldemir Bendine poderá ter impacto em pelo menos 32 processos com sentenças na Lava Jato, de acordo com levantamento da força-tarefa da operação em Curitiba revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo. Segundo o Ministério Público Federal, as sentenças envolvem 143 réus. Entre eles estariam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-ministro José Dirceu e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, além do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ). A possibilidade de um "efeito cascata" nas ações penais já julgadas levou ministros da Corte a avaliar uma forma de delimitar o impacto da decisão de terça-feira (27).

Por 3 votos a 1, a Segunda Turma derrubou a sentença do ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, que, em março de 2018, condenou Bendine a 11 anos de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O entendimento que anulou a sentença de Bendine e alarmou investigadores da Lava Jato é de que é direito do réu se manifestar na ação penal após as alegações de delatores que também são acusados no processo, e não no mesmo prazo.

Nesta quarta-feira, 28, a defesa de Lula pediu a anulação das condenações nos casos do triplex do Guarujá - no qual está condenado no Superior Tribunal de Justiça a 8 anos e 10 meses e cumpre prisão na capital paranaense - e do sítio de Atibaia (sentenciado a 12 anos e 11 meses em primeira instância). Os advogados do ex-presidente também pediram a anulação da ação do Instituto Lula, na qual ainda não foi sentenciado.

Ainda na quarta, o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo, determinou que a Justiça Federal no Paraná reabra prazo para alegações finais do petista na ação penal em que é acusado por supostas propinas de R$ 12,5 milhões da Odebrecht.

Fachin foi o único ministro da Segunda Turma que votou para manter a pena de Bendine. Ao invalidar a condenação do ex-presidente da Petrobras - na primeira vez que uma sentença de Moro foi anulada -, o colegiado impôs uma derrota à Lava Jato, mas já há na Corte uma preocupação com os efeitos da decisão em outros processos.

Uma das hipóteses avaliadas por ministros do Supremo é a de aceitar apenas sentenças em que o condenado pediu ao juiz mais prazo e teve a solicitação negada, como ocorreu com Bendine, e não expandir o entendimento para todos os processos nos quais os réus - incluindo delatores - tiveram o mesmo prazo de defesa.

Essa saída teria o potencial de reduzir os casos em que investigados poderão se livrar das condenações, avaliam interlocutores. Um ministro ouvido reservadamente considera que o recurso discutido pela Segunda Turma ataca processos em que houve pedido da defesa por mais prazo e a solicitação foi indeferida. A discussão sobre a extensão do entendimento teria de ser analisada caso a caso, na avaliação desse ministro.

Integrantes da Corte ressaltaram que a ministra Cármen Lúcia, que preside a Segunda Turma, observou que seu voto se referia ao caso específico de Bendine. A ministra surpreendeu ao divergir de Fachin e se alinhar à posição dos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, cujas críticas aos métodos da Lava Jato são frequentes.

Plenário

O relator da Lava Jato na Corte entende que a controvérsia deveria ser discutida no plenário. Na quarta, Fachin encaminhou um caso semelhante para análise pelos 11 ministros - um habeas corpus de um ex-gerente da Petrobras que trata do direito ou não de o réu se manifestar na ação penal após as alegações dos delatores acusados no processo, e não no mesmo prazo. Fachin já pediu que o julgamento seja marcado pelo presidente do STF, ministro Dias Toffoli, responsável pela definição da pauta. "Indico preferência para julgamento." A decisão pode fazer com que o plenário discuta o entendimento que anulou a condenação de Moro.

O ministro Marco Aurélio Mello afirmou ao Estadão/Broadcast que "qualquer novo entendimento" deve ser avaliado pelo plenário.

A força-tarefa em Curitiba manteve as críticas à decisão da Segunda Turma. Em nota, o MPF afirmou que "a regra aplicada pelo Supremo Tribunal Federal não está prevista no Código de Processo Penal ou em outras leis". Os procuradores sustentam que a decisão do STF "cria situações nebulosas e fecundas para nulidades".

Conforme levantamento do jornal, dos 50 processos julgados na capital paranaense, 37 têm delatores entre os réus.

"A força-tarefa confia que o Supremo reverá essa questão, inclusive para restringir a sua aplicação para casos futuros ou quando demonstrado prejuízo concreto, de modo a preservar os trabalhos feitos por diferentes instâncias em inúmeros casos de acordo com a lei e entendimento dos tribunais até então vigente", disse o Ministério Público Federal em nota.

Alcance

Para o ex-ministro da Justiça José Gregori, a decisão da Segunda Turma pode, sim, ter alcance amplo. "Do ponto de vista jurídico, se essa for uma decisão processual que deveria estabelecer certa ordem cronológica que não foi obedecida, em todos os outros processos semelhantes o advogado vai alegar a mesma coisa, e a decisão teria que ser igual", afirmou ao Estado.

"Isso permite a anulação de todos os processos em que algum réu tenha sido delatado", completou o jurista Modesto Carvalhosa. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.