Aras afirma que atitude de Janot é 'inaceitável'
"O Ministério Público Federal é uma instituição que está acima dos eventuais desvios praticados por qualquer um de seus ex-integrantes", diz Aras no comunicado. O novo procurador-geral afirma ainda confiar nos colegas, "homens e mulheres dotados de qualificação técnica e denodo no exercício de sua atividade funcional".
Segundo Aras, o MPF continuará cumprindo "com rigor" sua missão. "Os erros de um único ex-procurador não têm o condão de macular o MP e seus membros", afirma a nota.
As declarações do novo ocupante da cadeira que já foi de Janot se somam às críticas até mesmo de ex-auxiliares do antigo PGR. Ex-secretário-geral do MPF na gestão de Janot, o procurador regional da República Blal Dalloul disse ao Estadão/Broadcast que as declarações do ex-chefe são "uma das páginas tristes para a história do Ministério Público, e sua revelação nada traz de positivo".
Janot disse ao Estado que, no momento mais tenso de sua passagem pelo cargo, ingressou armado no Supremo para matar Gilmar. "Não ia ser ameaça, não. Ia ser assassinato mesmo. Ia matar ele (Gilmar) e depois me suicidar", afirmou o ex-PGR. Anteontem, o Supremo determinou buscas em endereços de Janot e uma pistola foi apreendida. Ele teve o porte de arma suspenso, foi proibido de entrar na Corte de se aproximar de ministros do tribunal.
"Estou realmente chocado com essa revelação. Não imaginava que tal situação tivesse acontecido, e minha formação não admitiria conhecimento sem veemente discordância", disse Dalloul, que ficou em terceiro lugar na lista tríplice da categoria para a escolha do novo procurador-geral - ignorada pelo presidente Jair Bolsonaro, que indicou Aras. "É preciso perdoar e amar muito mais. Inclusive por e pela instituição tão maior do que qualquer das suas pessoas", acrescentou.
Reação
A declaração do ex-chefe chocou não apenas Dalloul, como também outros ex-auxiliares ouvidos pela reportagem. A reação entre as pessoas que compuseram a equipe do ex-procurador-geral e até de quem permaneceu como amigo após a gestão foi péssima.
O fato está sendo tratado como indigno e inaceitável. Um desses integrantes disse ao Estado que já havia escutado um comentário de Janot de que tinha apenas pensado em matar o ministro do Supremo, mas entendeu que era uma bravata. Para ele, o fato de a declaração ter vindo no contexto de venda de livro é ainda pior, mais vergonhoso. Até o motivo, crítica à filha, foi citado como "ridículo".
Outro ex-auxiliar de Janot disse estar preocupado com os reflexos das declarações do ex-chefe na "institucionalidade" do Ministério Público. Para ele, o ex-procurador-geral agiu "de forma incompatível com o estágio civilizacional".
A operação de buscas nos endereços do Janot foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito no Supremo para apurar ofensas, ameaças e fake news contra integrantes do STF. Em entrevista ao Estado em maio, Aras sinalizou que iria rever a posição da sua antecessora, Raquel Dodge, sobre o inquérito. Ao contestar o fato de as investigações ocorrerem sem o acompanhamento do Ministério Público, Raquel pediu o arquivamento do caso, mas acabou ignorada.
'Não quis dramaticidade'
No dia em que sentou na cadeira de procurador-geral da República, em 17 de setembro de 2013, Rodrigo Janot queria que sua gestão ficasse conhecida como a que promoveu mudanças no sistema penitenciário brasileiro. Era o máximo que ambicionava, afinal, o País vivia a ressaca do caso do mensalão. Quatro anos e uma Operação Lava Jato depois, Janot deixou o cargo após alguns feitos inéditos, como oferecer duas denúncias contra o então presidente da República e pedir a prisão de um senador, além de comandar ações que resultaram na condenação de políticos influentes e grandes empresários.
No caminho, fez muitos inimigos, mas também colecionou muitas histórias. Parte delas está no livro Nada Menos que Tudo, escrito em parceria com os jornalistas Jailton de Carvalho e Guilherme Evelin, que será lançado em outubro com relatos em primeira pessoa sobre os bastidores dos principais capítulos de sua gestão.
A mais rumorosa delas, no entanto, é descrita de forma genérica e sem o nome dos envolvidos. Janot preferiu relatar a jornalistas que, em maio de 2017, foi armado ao Supremo Tribunal Federal com a intenção de matar o ministro Gilmar Mendes - a informação, antecipada pelo Estado, resultou na apreensão de uma pistola .40 do procurador pela Polícia Federal, entre outras medidas. "Não queria dar dramaticidade a esse fato no livro", justificou. A ausência de um relato detalhado do episódio que deixou o País boquiaberto não significa, porém, que o livro não tenha histórias saborosas.
Uma delas aconteceu quando foi deflagrada a operação para cumprir o mandado de prisão do então senador petista Delcídio Amaral. Nas primeiras horas daquele 25 de novembro de 2015, Janot teve de ligar para a casa do então presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), e acordá-lo com a notícia de que iria prender um senador. Após um longo silêncio do outro lado da linha, o procurador disparou: "Não é o senhor, não". "Quando eu disse que seria Delcídio Amaral ele pareceu subitamente aliviado e a conversa fluiu normalmente." Naquele tempo, Renan já era alvo de ações penais no Supremo.
Em suas memórias, Janot descreve a reação de políticos que passaram à condição de investigados. "Uns ficam agressivos, outros tentam desqualificar a investigação. Outros apelam para a emoção e choram."
Ao deputado Aécio Neves (PSDB), mineiro como o ex-procurador, Janot reserva um relato à parte em momentos diferentes do livro. O ex-procurador diz que Aécio foi "um dos que mais se empenharam" para não ser investigado. E, para isso, valeu-se de visitas à sua sala - nas quais citava a mãe, a família e, não raro, chorava -, de oferta de cargos públicos e do envio de cartas. Em uma delas, relata, Aécio escreveu "my life is in your hands" (minha vida está em suas mãos). "Tenho essa carta comigo, de próprio punho. É um documento histórico", afirmou. "Talvez, ao longo da história, isso diga algo sobre o tamanho de alguns homens públicos", escreve.
Janot também cita os principais reveses no cargo: as críticas por ter dado perdão judicial ao empresário Joesley Batista, a prisão do procurador Ângelo Villela e o episódio em que um integrante de sua equipe foi acusado de fazer jogo duplo, no MPF e na defesa da J&F. E defende sua atuação nos episódios.
Além disso, critica o ritmo dado por sua sucessora, Raquel Dodge, à operação ("A diminuição de ritmo das investigações na Lava Jato é visível"), pergunta sobre políticos que, embora alvo de investigações, até o momento escaparam de condenações ("Qual é a origem do poder deles no Judiciário?"), e reflete sobre sua gestão. "Essa ruptura não é feita de um dia para a noite. É um processo. E, como todo processo, há avanços e recuos. A medida que temos que fazer é o quanto avançou e o quanto recuou. E se a diferença entre avanço e recuo foi positiva ou negativa. Acho que estamos no azul ainda", disse à reportagem.
Segundo ele, o livro tem a função de ser um registro histórico sobre acontecimentos que marcaram a Lava Jato para um período após "o frescor dos fatos." "A ideia do livro é isso. É fazer um registro histórico, porque não estarei mais aqui quando este julgamento vier. É a minha voz. Meu testemunho está aí. Me julguem."
Aposentado do MPF, Janot nega intenção de concorrer a cargo público. Ele quer dar aula e aguarda o fim da quarentena de três anos para advogar - descarta veementemente a área penal. A partir de setembro de 2020, poderá atuar nos tribunais superiores. Qual seria a recepção dos tribunais após a afirmação do futuro advogado de que, num determinado momento, ele pensou em tirar a vida de um ministro do Supremo? As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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