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Discussão sobre necessária volta às aulas envolve ciência e insegurança dos pais

Renata Cafardo

São Paulo

02/08/2020 16h00

Com o início do segundo semestre, a volta às aulas torna-se o centro da discussão da pandemia no Brasil e no mundo. A ciência tem dito que é possível retornar, desde que com segurança. Isso porque estudos preliminares mostram que as crianças se infectam menos e transmitem menos a doença. Os educadores enumeram as perdas: prejuízos à aprendizagem, à convivência social e até o risco de danos graves à saúde mental e à nutrição dos alunos. Mas incertezas quanto ao enfrentamento da pandemia, à dificuldade de crianças cumprirem regras sanitárias e o número de infectados no País fazem pais e professores se sentirem inseguros para voltarem às escolas.

Na semana passada, o Estadão revelou que o conselho municipal de São Paulo fará uma resolução para que pais possam decidir se seus filhos retornam ou não. Escolas precisam agora pensar em como organizar a volta para quem estará e não estará presente. Pesquisa feita pelo Colégio Dante mostra que 40% dos pais não mandariam os filhos na primeira fase da abertura determinada pelo governo do Estado, prevista para setembro. No Porto Seguro, as salas de aula estão sendo adaptadas com câmeras e telões, para os que estiverem em casa.

"As crianças não vão respeitar o protocolo, ficar com máscaras, querem brincar com os amigos. Por mim, ele não volta este ano", diz Fernanda Pacheco, de 41 anos, mãe de Theo, de 9, que estuda numa escola particular. "Não tive dilema algum, minha filha não volta com a situação que está a pandemia", completa Katia Vieira, de 45 anos, também mãe de uma menina de 9 anos. Ela disse que comunicou a escola e espera que haja uma solução para sua filha continuar estudando remotamente.

Os últimos dados do Ministério da Saúde mostram que 585 crianças e adolescentes menores de 19 anos morreram por covid-19 desde o início da pandemia no Brasil. O País passou de 90 mil mortos. Cerca de 5 mil foram hospitalizadas. Estudos de casos na China, Austrália, Finlândia, Irlanda e Espanha indicam que as crianças não transmitem coronavírus tanto quanto os adultos. Eles fazem referências diretas às escolas, com títulos como "a criança não é culpada" ou conclusões de que as instituições de ensino têm baixo risco de contaminação, o que fez a Sociedade Americana de Pediatria pedir o retorno às aulas nos EUA.

Um estudo, feito na Suécia, que nunca fechou escolas de educação infantil, indica que não houve maior infecção entre professores. Na Irlanda, seis crianças e adultos contaminados com covid foram monitorados por 14 dias. Eles tiveram contatos em escolas com mil outras crianças e cem adultos. Ninguém foi infectado. Outra pesquisa publicada na revista científica Nature analisou crianças, jovens e adultos em cidades de culturas diferentes, como Milão e Bulawayo, no Zimbábue. Os resultados mostram que pessoas com menos de 20 anos são duas vezes mais resistentes ao vírus do que as com mais de 20.

A dificuldade ainda é saber o por quê. Para o presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria, Marco Aurélio Safadi, a melhor das hipóteses se refere ao fato de as crianças terem um receptor do vírus com menos expressão. "Para o vírus entrar no organismo, ele precisa ter como se fosse a chave da nossa fechadura", explica. No caso do coronavírus é a chamada enzima conversora de angiotensina 2 (ECA2). Ela dificultaria que o vírus se estabelecesse no organismo principalmente de menores de 10 anos.

Mesmo reforçando que as evidências ainda são iniciais, Safadi acredita que, com proteção, é importante retornar. "Se houver baixa nos casos, a volta às escolas é menos penosa que a manutenção da interrupção", diz o pediatra, que teme prejuízos à nutrição e à saúde mental dos alunos, casos de depressão e abusos em casa.

Exterior. Pouco mais de dez países já abriram suas escolas, entre eles França, Alemanha e Austrália, mas 1 bilhão de alunos no mundo (60% do total) ainda estão sem aulas, segundo a Unesco. A Europa voltou a ter aumento de casos, mas não se sabe se há relação com o retorno, já que escolas fecharam novamente para férias e restaurantes e praias estão abertos. Em Israel, escolas reabriram em maio e tiveram de adiantar férias porque o número de infectados cresceu. O tema também é polêmico nos EUA, onde Estados como Nova York e Flórida retomarão aulas presenciais, mas cidades como Los Angeles e San Diego continuarão com ensino remoto.

"Estamos diante de uma situação de uma extrema complexidade", diz a representante da Unesco no Brasil, Marlova Noleto. "Quanto maior o tempo que os alunos passarem fora da escola, maior o risco de eles não voltarem. Mas claro que precisamos salvar vidas." A evasão já é um grave problema no País; 23% dos adolescentes de 16 anos não estão na escola. E só 4 em 10 alunos de 19 anos concluem o ensino médio.

A expectativa dos educadores é que os números piorem com a pandemia, pela crise econômica e desestímulo, aumentando as desigualdades. Mas as consequências de estar fora da escola afetam crianças e adolescentes de todas as classes. Estudos - como um feito na Itália - têm mostrado aumento de peso, sedentarismo e hábitos pouco saudáveis entre os estudantes em casa. "A saúde no desenvolvimento desses jovens é um dos maiores prejuízos dessa pandemia. Por isso, quando pudermos voltar com segurança, é preciso abrir as escolas", diz o secretário de Educação paulista, Rossieli Soares.

Redes de ensino públicas e privadas se esforçam para oferecer educação remota, com melhor ou pior qualidade. Mas uma das mais fortes conclusões de uma pesquisa feita pelo Todos pela Educação sobre momentos que sucedem crises é que "mesmo com ações de ensino remoto bem estruturadas, a suspensão temporária das aulas presenciais cria lacunas significativas no aprendizado". E há ainda 18% dos municípios do País que não fizeram nenhuma atividade nesse período com seus alunos.

"As condições sanitárias são péssimas. Os alunos vão trocar material biológico e expor as pessoas de casa, por menos que façam, farão muito", diz o médico sanitarista e colunista do Estadão Gonzalo Vecina Neto, que defende voltar só quando houver vacina. Na América Latina, 14% dos alunos não têm acesso à água e 22% não têm banheiros em bom estado nas escolas, segundo pesquisa do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

"Eu adoro o que eu faço, mas tenho medo de voltar", diz uma professora que pediu para seu nome não ser publicado. Ela têm 45 anos e uma saúde debilitada. O sindicato dos professores em São Paulo tem feito protestos "em defesa da vida" para que as aulas retornem só no fim da pandemia.

"Estamos numa fase da retomada de várias atividades. O risco existe em todas elas", diz o secretário de Educação de Pernambuco e vice-presidente do conselho de secretários, Fred Amâncio, que defende a volta assim que a área da Saúde autorizar. "A gente precisa entender o papel da escola na vida das crianças, pela aprendizagem, pelo social e equilíbrio que dá ao jovem. A educação é crucial no desenvolvimento das pessoas e do País."

Para a psicóloga Ilana Katz, a escola não pode ensinar as crianças a ter medo das pessoas. "A ideia de segurança tem componentes objetivos, como lavar as mãos e usar máscara, mas também subjetivos", diz. Para isso, pais, alunos, professores e gestores precisam participar das decisões de como será a retomada das aulas. "Com acordos comunitários, as famílias ficarão mais seguras porque vão compartilhar responsabilidades. Se todos combinarem que quem tiver sintomas não virá à escola será um pacto e cada um vai confiar mais no outro", explica. "Sabemos que não estaremos 100% seguros, mas estaremos pactuados."

No exterior, confiança na decisão do governo

Mães e pais brasileiros que moram no exterior disseram que não tiveram dúvidas sobre mandar seus filhos para a escola quando o governo determinou a retomada. "Confio no governo, nos dados. Não tive a menor questão com isso, mandei na hora pra escola", conta a arquiteta Ana Sangirardi Harstall, de 46 anos, que mora em Nuremberg, na Alemanha. Na semana passada, os três filhos entraram em férias, mas a escola havia sido reaberta em maio para as duas meninas, de 6 e 10 anos, que estavam em fim de ciclo escolar. Para o mais velho, de 14 anos, o retorno foi só em junho.

Ela conta que os alunos alternavam semanas em casa e na escola, mas não precisavam usar máscaras na aulas. "A professora gritava ‘corona’ quando as crianças tentavam se abraçar", conta. "Mas foi tranquilo, eles foram se acostumando e não soubemos de ninguém infectado." A Alemanha tem atualmente cerca de 200 mil casos e 9 mil mortes.

A administradora brasileira Marina dos Prazeres, de 37 anos, também viu com naturalidade a volta às aulas em junho, em Brisbane, na Austrália. O Estado onde mora tem só seis mortes por causa do coronavírus, mas o país registrou em julho aumento no número de casos diários. A cidade de Melbourne voltou a ter lockdown.

Seus três filhos, de 3, 5 e 8 anos, não precisaram usar máscaras na classe, mas cada turma passou a chegar em um horário diferente para não haver aglomeração e mesas foram separadas. "As crianças estavam tão felizes de estar de volta, que nem sentiram", conta. "Tudo aqui foi muito bem feito e todo mundo respeita."

Em Israel, as escolas ficaram fechadas só de março a maio e, quando reabriram, houve grande aumento de casos. A brasileira Michele Teitelbaum, de 43 anos, diz que os três filhos adolescentes tiveram as férias de verão adiantadas para começo de junho por causa disso e continuam sem aulas. Ela acredita que as escolas haviam reaberto por pressão econômica. Ela mesma é dona de um berçário e percebeu que os pais não mais quiseram pagar mensalidades depois do fechamento. O governo, no entanto, permitiu que as escolas de educação infantil não parassem novamente.

"Mas é tudo muito incerto, faço compras para o berçário de três em três dias para as coisas não estragarem, acho que pode mudar tudo de repente", diz Michele.

Em Londres, onde mora o arquiteto Mateus Pereira, de 39 anos, o berçário do filho voltou a funcionar no fim de junho. Ele conta que a escola organizou um esquema de "bolhas" em que cada criança fica restrita a um pequeno grupo e com uma só cuidadora. "Ele comentou que queria brincar com um amigo e não podia, mas nada muito traumático", conta. Os pais também tiveram de se organizar para entregar os filhos um por um e sem entrar na instituição.

Com base em experiências do exterior, procedimentos parecidos estão sendo pensados por escolas brasileiras. O Porto Seguro também fará as "bolhas". "O conceito é o de que ampliamos só um pouco o isolamento nessa primeira etapa", diz a diretora Silmara Casadei. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.