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Celso de Mello decide antecipar a aposentadoria para 13 de outubro

Rafael Moraes Moura, colaborou Camila Turtelli

Brasília

25/09/2020 17h27

O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, informou nesta sexta-feira (25) à Corte que vai deixar o tribunal no dia 13 de outubro, segundo o Estadão apurou. Relator do inquérito que investiga se o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir politicamente na Polícia Federal, o ministro completa 75 anos em 1º de novembro, quando se aposentaria de forma compulsória.

Na prática, a decisão de Mello antecipa o seu desligamento do STF em três semanas, abrindo a primeira vaga na Corte para indicação de Bolsonaro. Hoje, o favorito para a cadeira do decano é o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira.

Amigo do presidente da República, Jorge Oliveira possui uma relação íntima com Bolsonaro e é visto como um nome que defenderia o seu legado, evitando frustrações que outros ex-presidentes tiveram com suas escolhas para a Corte. O ex-presidente Luiz Inácio Lula, por exemplo, se decepcionou com a indicação de Joaquim Barbosa, considerado algoz do PT no julgamento do mensalão.

Bolsonaro pretende dar uma "guinada conservadora" na escolha das duas vagas de ministros do STF que serão abertas no seu mandato - depois de Celso, o próximo a se aposentar é o ministro Marco Aurélio Mello, em julho de 2021.

No cálculo político feito pelos aliados do presidente, é considerada decisiva na definição dos nomes a posição contrária dos postulantes ao cargo à chamada "pauta de costumes", como a descriminalização das drogas e do aborto. Para o Palácio do Planalto, o STF possui atualmente um perfil "progressista", o que pode ser mudado agora.

Celso de Mello retornou ao trabalho nesta sexta-feira, após uma licença médica. O afastamento inicialmente estava previsto até este sábado, 26, mas foi encerrado na quinta, 24.

Inquérito

A antecipação da aposentadoria compulsória de Celso de Mello, no início de novembro, reacendeu na Corte a discussão sobre quem deve assumir a relatoria do caso. Segundo o Estadão apurou, integrantes do STF se dividem sobre o tema.

"Ante a urgência de todo e qualquer inquérito, de todo e qualquer processo-crime, há de ser distribuído (a outro ministro). Não aceito simplesmente herdar", disse no último domingo Marco Aurélio Mello ao Estadão, ao defender um sorteio eletrônico para definir o novo relator do caso, após a saída de Celso de Mello. "Sou substituto do ministro Celso de Mello, não pelo patronímico Mello, mas por antiguidade, enquanto ele integrar o tribunal. E não aceito designação a dedo. Mas, como os tempos são estranhos, tudo é possível."

Coube a Marco Aurélio decidir sobre o recurso de Bolsonaro para suspender o depoimento presencial por conta da licença médica do decano.

O regimento interno do STF prevê que, em caso de aposentadoria do relator, o processo é herdado pelo ministro que assume a vaga.

Dessa forma, o nome que vier a ser escolhido por Bolsonaro deve assumir o acervo de processos de Celso de Mello - o que abre margem para a insólita situação de um ministro indicado pelo chefe do Executivo assumir a relatoria de um inquérito que investiga o próprio presidente da República.

"Seria muito ruim que o presidente estivesse na posição de nomear o ministro ou ministra que assumiria a relatoria de um inquérito contra ele. Se essa situação acontecer, espero que o Senado questione o indicado ou indicada sobre isso e, idealmente, perguntaria se ele ou ela se comprometeria em se declarar sua suspeição e pedir a redistribuição caso isso ocorresse", avaliou o professor Thomaz Pereira, da FGV Direito Rio.

"Mas o melhor seria que o inquérito fosse redistribuído antes disso, para esse debate não dominar a conversa em torno da nomeação, ofuscando outros temas de grande importância."

Desgastes

Para o Palácio do Planalto, Celso de Mello se converteu em um militante político contra o governo. Desde que Bolsonaro assumiu a Presidência da República, o decano se tornou um dos principais contrapontos do chefe do Executivo no STF, com manifestações contundentes de repúdio ao que considera excessos cometidos pelo presidente - e de defesa da democracia.

Celso já disse que Bolsonaro "degrada" o Parlamento e "minimiza perigosamente" a importância da Constituição, e criticou a fala do presidente de indicar um nome "terrivelmente evangélico" para a Corte.

Entre as decisões do STF que contrariaram o Planalto ao longo dos últimos meses, estão a suspensão da nomeação de Alexandre Ramagem para a chefia da PF, a autonomia para Estados e municípios tomarem medidas para enfrentar a pandemia, a criminalização da homofobia, a manutenção da demarcação de terras indígenas com a Funai e a proibição de extinguir conselhos criados por lei. Ainda aguardam julgamento na Corte ações caras à pauta de costumes, como a descriminalização da maconha (julgamento marcado para o ano passado, mas adiado sem definição) e do aborto, além da reforma da Previdência.

"Tenho convicção de que o presidente Bolsonaro escolherá uma pessoa conservadora nos costumes e que vai praticar a retidão da Justiça estabelecida na nossa Constituição", disse o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), da bancada evangélica, uma das bases de sustentação do presidente no Congresso. Nos bastidores, o nome do juiz federal William Douglas, de Niterói, é visto com bons olhos por parte dos evangélicos, mas ele divide a torcida com o ministro da Justiça, André Mendonça, que é presbiteriano. Não há um consenso entre os parlamentares.