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Protesto após morte de crianças no Rio pede justiça: 'Parem de nos matar'

Caio Sartori e Marcio Dolzan

06/12/2020 19h39

Um dia após o sepultamento das meninas Emily e Rebeca, de 4 e 7 anos, mortas por balas perdidas enquanto brincavam na porta de casa, na Baixada Fluminense, dezenas de pessoas protestaram nas ruas de Duque de Caxias, onde elas viviam. A manifestação teve a participação dos familiares das crianças, que eram primas.

Foram levados cartazes com dizeres como "Parem de nos matar", "Justiça por Emily e Rebeca" e "Vidas negras importam", bordão que também foi entoado pelos participantes.

"Minha neta era minha única neta. Era o meu tesouro. Foi muito esperada, muito desejada. E agora, quem é que vai me dar a minha neta de volta? Quem é que vai se responsabilizar pelo que foi feito? Ninguém. Sabe por quê? Porque eles não estão nem aí pra gente, nem aí para o ser humano", discursou a avó de Rebeca e tia de Emily, Lídia da Silva Moreira Santos.

Em vídeo em que convidava a população a acompanhar o ato em homenagem às meninas, o pai de Rebeca, Maycon Douglas Moreira Santos, disse que a morte delas destruiu a família e que seu sonho havia acabado com a morte da única filha.

"Infelizmente aconteceu aquilo que eu não desejo para ninguém, para quem é pai, para quem é mãe. Ninguém pode perder um filho do jeito que a gente perdeu, numa fatalidade, numa violência dessas", afirmou. "Meu sonho acabou. (A morte) destruiu minha família, acabou com todos os planos que a gente tinha com as meninas. A Emily ia ter uma festinha agora e não vai poder ter... Mas vai ser sempre lembrada, vai estar sempre em nossos corações."

Emily e Rebeca moravam na comunidade do Barro Vermelho, em Jardim Gramacho, no município de Duque de Caxias. Vizinhos relataram que um carro da Polícia Militar foi visto disparando tiros. A PM confirmou que uma equipe do 15º Batalhão fazia um patrulhamento na comunidade do Sapinho e teria ouvido disparos de arma de fogo. A corporação alega, no entanto, que os agentes não atiraram de volta.

Já a Polícia Civil, por meio da Delegacia de Homicídios da Baixada, abriu inquérito para apurar as mortes. Os cinco militares que estavam na região já foram ouvidos e tiveram cinco fuzis e cinco pistolas apreendidos para que a análise balística seja feita. A tendência é de que os parentes das meninas sejam ouvidos nesta segunda-feira, 7.

Uma homenagem às meninas também foi feita na capital do Rio, pela ONG Rio de Paz. Pela manhã, uma coroa de flores foi colocada junto às placas com os nomes de Rebeca e Emily que foram pregadas no sábado, 5, na Lagoa Rodrigo de Freitas, na zona sul, junto a outras de crianças mortas pela violência no Rio. De acordo com a plataforma Fogo Cruzado, 22 crianças com menos de 12 anos foram baleadas na região metropolitana do desde o início deste ano. Oito delas morreram.

"A dor das famílias que perderam seus entes queridos é irreparável. Duas crianças na porta de casa e um policial exercendo sua missão. Desde as primeiras horas, a Polícia Civil realiza as investigações, e nós daremos uma resposta à sociedade. Minha solidariedade e orações", escreveu no Twitter o governador em exercício do Rio, Cláudio Castro.

Apesar de a polícia fluminense ter matado 1.075 pessoas de janeiro a outubro deste ano e ser apontada por familiares como a responsável pela morte das meninas, o mandatário ressaltou, ao lamentar o caso, que "não há lugar onde a polícia não possa entrar" para combater a criminalidade.

"Sou defensor de uma política de segurança que atue com inteligência e focada em preservar vidas. A Subsecretaria de Vitimados dará todo o apoio às famílias. Vamos combater de frente a criminalidade em nosso estado. Não há lugar onde a polícia não possa entrar!"

É nessa linha de questionamento - sobre o papel da polícia - que a socióloga Sílvia Ramos Amorim, coordenadora do Observatório da Segurança do Rio, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), analisa as mortes de Emily e Rebeca.

"Vamos aceitar? Não vamos obrigar a polícia a mudar? A punir os policiais que atiram antes de perguntar, que usam a última escala do uso da força em primeiro lugar?", questiona. "Minha resposta hoje é: não, a polícia não vai mudar. Não existe treinamento, reciclagem, mudança de comando do batalhão, imposição de mecanismos de controle de uso da força, punição para abusos policiais capazes de produzir mudanças significativas na polícia fluminense."

Ela aponta para a "redução da polícia" como a única forma de coibir esses casos. "Reduzir os efetivos, os armamentos, o método de policiamento baseado em rondas e abordagens preventivas e, principalmente, reduzir os investimentos em polícia."