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Pressionar indústria pode ter risco, diz especialista sobre remédios contra covid

João Prata

São Paulo

20/03/2021 14h15

Com o avanço rápido da pandemia no Brasil, onze medicamentos - de analgésicos e bloqueadores neuromusculares - podem faltar em até dez dias no Brasil. O alerta foi feito em documento do Fórum Nacional de Governadores enviado à gestão Jair Bolsonaro.

Valéria Santos Bezerra é presidente da Sociedade Brasileira de Farmácia Hospitalar e Serviços de Saúde. Ao Estadão, ela diz que praticamente todos os Estados sofrem com a falta de medicamentos para pacientes da covid-19. Segundo ela, entidades médicas e farmacêuticas estão criando protocolos para oferecer medicamentos alternativos, o que exigirá maior atenção da equipe médica.

Também disse que o aumento da produção nacional tem de ser feito com cautela, respeitando todas as normas, para não comprometer a qualidade do fármaco. "Extrapolar uma indústria que está no limite pode gerar risco na qualidade do produto", alerta Valéria, farmacêutica no Hospital da Restauração, no Recife.

Leia trechos da entrevista com Valéria:

O que está sendo feito para tentar solucionar a falta de medicamentos?

É um problema real que acontece em todos Estados. Estamos com falta de acesso aos medicamentos essenciais em praticamente todos os Estados. Estamos nos reunindo diariamente com muitas outras entidades para discutir essa preocupação comum dos médicos e farmacêuticos para buscar soluções conjuntas.

O que tem sido passado para os profissionais da saúde?

Neste momento de desabastecimento, estamos trabalhando protocolos de uso para bloqueadores neuromusculares e sedativos. A ideia é atualizar no cenário real e dar opções alternativas terapêuticas para os profissionais. Existem alternativas que em cenário adverso como este precisamos acionar. A intenção é ajudar as equipes médicas e minimizar riscos. Não estamos dizendo que é a solução. Mas é o que nos resta fazer.

Quais a consequência que pode ter a utilização de medicação alternativa?

Alguns medicamentos podem trazer complicações cardíacas, hepáticas, renais. Se paciente tem algum fator de risco, somado ao uso do medicamento, pode causar reação adversa. Por isso, nesses casos, exige maior atenção de toda equipe médica, maior monitoramento.

Qual solução para o abastecimento desses medicamentos voltarem ao normal?

É muito difícil tomar decisões sem ter ideia total da dimensão do problema. Qual é a demanda que o Brasil hoje e qual o total da demanda reprimida? Qual a capacidade máxima de produção? Não estamos nem discutindo as medidas de prevenção. Porque o ideal era ter adesão de todos no uso de máscaras, isolamento, para diminuir a contaminação. E, claro, só a vacinação em massa é que vai resolver.

A indústria brasileira ainda tem capacidade para aumentar a produção?

Teria de haver maior potencial de produção. Mas o que a gente sente do mercado é que as indústrias estão no limite de produção. Extrapolar isso pode gerar risco na qualidade do produto. A gente não pode passar dali, pode comprometer toda a produção. Existe um limite.

A única saída então seria agilizar a importação?

Muitas matérias-primas para produção nacional são importadas. Várias fábricas brasileiras deixaram de produzir outros medicamentos para poder colocar o máximo de produção nas drogas para o uso da covid. A importação seria uma alternativa estratégica. Mas, para isso, é preciso articulação do governo. Definitivamente houve aumento de demanda espantoso. A covid tem o agravante de que os pacientes passam muito mais tempo na UTI, bem maior do que qualquer outra infecção.

Quais regiões brasileiras tem maior falta de medicamentos?

O Paraná relatou muita falta, Goiás, São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul, Pará, Rondônia... Ainda tem outras dificuldades. Nos hospitais públicos, o fluxo para aquisição precisa ser obedecido. Há locais em que o fluxo acontece com maior celeridade e em outros menos. O custo do medicamento também aumentou muito, o que gera outra dificuldade.