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Vizinhos da Cracolândia vivem 'liberdade', mas venda de droga segue em praça

22/03/2022 14h50

As ruas próximas à Estação Julio Prestes, no centro da cidade, na região conhecida como Cracolândia, estão praticamente vazias desde o final de semana, de acordo com moradores. O local normalmente ocupado por centenas de usuários de drogas virou o cenário de obras de limpeza e conservação urbana da Prefeitura. Praticamente não há usuários. O esvaziamento contrasta com o aumento do movimento na Praça Princesa Isabel, distante cerca de 400 metros dali. Moradores temem que a chamada Cracolândia tenha mudado de local.

O Estadão percorreu os dois endereços na manhã desta terça-feira, 22. A Alameda Cleveland, um dos acessos à Estação Julio Prestes, foi ocupada com máquinas e caminhões da Subprefeitura da Luz. Um dos consertos era o fechamento de buracos nas calçadas. Funcionários afirmam que ali eram esconderijos de drogas. Na praça, mais ações de zeladoria, com a lavagem das calçadas, e recuperação de uma região praticamente abandonada há anos.

A técnica em Enfermagem Fernanda, de 33 anos, que prefere mencionar apenas o primeiro nome, não se importa com o barulho das máquinas. "É uma sensação de liberdade. A gente quase não podia sair de casa por medo de assalto", diz a moradora da Rua Dino Bueno.

Moradores e trabalhadores da região relatam que a concentração - o chamado fluxo - no quadrilátero da Rua Helvetia, Alamedas Dino Bueno e Cleveland e a Praça Júlio Prestes já vinha diminuindo nos últimos dias. De acordo com monitoramento da prefeitura, a região recebia um fluxo médio de 527 pessoas por dia. Em fevereiro, o número caiu para 397. O esvaziamento rápido, no entanto, surpreendeu até os moradores.

Fernanda conta que tomou um susto quando olhou pela janela do seu apartamento na rua no sábado pela manhã. Onde antes estavam os usuários e traficantes de drogas não havia quase ninguém. Ela e outros moradores contam que não houve conflito com os policiais. Foi tudo pacífico e coordenado. Traficantes e usuários começaram a abandonar o local na noite de sexta-feira. A sensação de liberdade experimentada por Fernanda não esconde uma inquietação. "Para onde foram as pessoas que estavam aqui. Será que o problema só mudou de lugar?", questiona.

Parte da resposta está na Praça Princesa Isabel, distante menos de 500 metros dali. A Prefeitura reconhece que parte dos usuários e traficantes está se instalando ali. Nesta manhã, era possível perceber caixotes e bancos com as pedras de crack em exposição protegidas por guarda-sóis (na região da Luz, eram barracas).

O comércio de drogas ocupa o centro da praça e acaba sendo protegido da visão de quem passa pelas barracas montadas pelos moradores em situação de rua. Eles já estavam lá empurrados pelo desemprego trazido pela pandemia. Traficantes, usuários se misturam às famílias que ocupam barracos chamados de "condomínios".

Comerciantes da praça estimam que a movimentação aumentou cerca de 50% nos últimos dias. O dono de restaurante de comida mineira que trabalha no local há 20 anos e mora há 30 no centro diz que a sensação de insegurança aumentou. "Durante a pandemia, a gente viu as pessoas morando na praça. Agora, a Cracolândia veio para cá", diz o proprietário.

A Prefeitura nega. Ao Estadão, Alexis Vargas, secretário executivo de Projetos Estratégicos da Prefeitura de São Paulo, afirma que a praça é apenas um dos pontos para onde os traficantes se deslocaram. "Não é verdade que a Cracolândia está na Praça Princesa Isabel. Nosso monitoramento mostra que ali estão cerca de 100 pessoas que estão junto com os moradores em situação de rua", diz o secretário.

Moradores sugeriram uma relação entre a saída dos usuários da Luz e a proximidade data de inauguração do hospital estadual Pérola Byington, na Alameda Glete, um dos centros da Cracolândia. No sábado, 19, o governador João Doria (PSDB) esteve no local para anunciar o início do processo de escolha da organização social que vai administrar o local. Alexis também nega. "Não há relação direta, pois o hospital nem começou a funcionar. Não houve acordo nenhum com o tráfico. Pelo contrário. Foram as ações coordenadas de inteligência que fizeram com que os traficantes desistissem da região", opina.