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Lula critica orçamento secreto, mas oposição já discute divisão de verbas em 2023

Lula participa de ato público no Centro de Convenções de Maceió (AL) no 2º dia de giro pelo Nordeste - Reprodução/Youtube
Lula participa de ato público no Centro de Convenções de Maceió (AL) no 2º dia de giro pelo Nordeste Imagem: Reprodução/Youtube

Brasília

05/07/2022 10h28

Ao mesmo tempo em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) faz discurso contra o orçamento secreto, aliados do petista no Congresso já negociam a manutenção desse modelo, que prevê o rateio de R$ 19 bilhões em emendas parlamentares no ano que vem.

O movimento ocorre porque a oposição vislumbra a vitória do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), para mais um mandato à frente da Casa a partir de fevereiro de 2023. Diante desse quadro, os apoiadores da chapa Lula-Alckmin querem preservar a distribuição de recursos sob controle do Legislativo, mas com maior divisão entre as bancadas.

O Congresso deve aprovar nos próximos dias uma manobra de Lira para manter o controle do orçamento secreto em 2023, independentemente de quem for eleito presidente da República.

A regra, revelada pelo Estadão, obriga o Executivo a pagar todas as chamadas emendas RP9 no próximo ano conforme a indicação dos parlamentares e exige a assinatura de um aliado direto do presidente da Câmara na hora da liberação, não apenas do relator-geral do Orçamento, como vem sendo feito pelo governo Jair Bolsonaro (PL).

Mantido o esquema, a oposição não quer ficar de fora da distribuição dos recursos no próximo ano. Aliados de Lula criticam as manobras do presidente da Câmara para manter o poder mas, na prática, dão apoio silencioso à manutenção do esquema.

O projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) foi desenhado para manter a distribuição dos recursos e deve ser aprovado nos próximos dias pelo plenário do Congresso, deixando as regras prontas para 2023. A proposta foi aprovada pela Comissão Mista de Orçamento na última quarta-feira, 29.

O orçamento secreto, revelado pelo Estadão, envolve a distribuição de recursos federais a redutos eleitorais de deputados e senadores sem transparência.

O governo usa os pagamentos para comprar apoio político no Congresso. Só em 2022, ano de eleições presidenciais, são R$ 16,5 bilhões, divididos entre Câmara e Senado. A cúpula do Legislativo quer aumentar o montante para R$ 19 bilhões no próximo ano e inclui na LDO uma regra que obriga o governo federal a enviar o projeto orçamentário de 2023 já com essa reserva garantida para as emendas secretas.

Publicamente, Lula vem criticando o orçamento secreto. Em março, ele classificou o Congresso atual como o "pior da história" ao citar as emendas. Depois da reação dos parlamentares, o presidenciável reduziu o tom, mas ainda fala contra o esquema.

"Nós precisamos eleger uma grande bancada no Senado e nós precisamos eleger uma grande bancada na Câmara porque, se a gente não tiver muitos deputados e a gente não acabar com o orçamento secreto, será muito difícil eu e o (Geraldo) Alckmin fazermos o que nós precisamos fazer nesse país", disse o petista em Salvador no último sábado, 2.

O diagnóstico de líderes petistas, no entanto, vai na contramão do discurso de Lula e aponta para a reeleição de integrantes do Centrão nas urnas e a recondução de Lira no comando da Câmara.

"O prognóstico mais seguro de concretização é de a atual maioria se manter maioria, talvez até de ter uma renovação não muito expressiva, principalmente por causa da emenda de relator. Se Eduardo Cunha praticava ilegalidades, financiou a campanha de deputados e derrubou a Dilma, o Arthur é com a emenda", disse o líder da minoria no Congresso, Afonso Florence (PT-BA).

Na prática, parlamentares do PT e outros aliados de Lula já se beneficiaram do orçamento secreto nos dois últimos anos e também devem levar parte das emendas em 2022.

Entre eles, estão os deputados Reginaldo Lopes (PT-MG), Paulo Guedes (PT-MG), Júlio Delgado (PV-MG), Paulinho da Força (SD-SP) e os senadores Rogério Carvalho (PT-SE), Fabiano Contarato (PT-ES), Humberto Costa (PT-PE) e Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB). Rogério Carvalho, por exemplo, deu o voto decisivo para aprovação de uma resolução que fixou as chamadas emendas RP9 no Orçamento.

A mesma divergência entre o discurso do candidato e a forma como a bancada do PT vota no Congresso ocorreu com a "PEC Kamikaze". O ex-presidente afirmou que a proposta é uma tentativa de Bolsonaro de comprar voto.

"Ele (Bolsonaro) acha que pode comprar o povo, acha que o povo é um rebanho, que o povo não pensa, ele acha que o povo vai acreditar em mentira, e não vai", disse o petista durante evento em Salvador (BA) na sexta-feira, 1º.

Seis dos sete senadores do PT, porém, votaram favoráveis à PEC. O senador Humberto Costa (PT-PE) se ausentou da votação.

Possível acordo sobre emendas

"Como tem uma expectativa de que o Lula ganhe a eleição e ele tem falado contra, a vontade da Câmara, e não é só do Arthur Lira, é esticar a corda para fazer um acordo", afirmou Paulinho da Força, ao falar da adesão do PT e de outros partidos da oposição ao orçamento secreto. "Eu falei para o Lula: você quer que eu te fale quem são e quanto estão recebendo?".

Líderes petistas não querem expor o alinhamento com o orçamento de Lira, mas admitem que o esquema deve ser mantido com uma divisão das verbas. O que está em discussão são mudanças nas regras, com um rateio maior entre as bancadas do Congresso e a inclusão de projetos de interesse do PT no orçamento.

"Hoje não tem uma resposta cabal. Primeiro, vai ter que estressar, puxar a disputa, tentar extinguir, tensionar e depois a gente vê. Esse é o jogo parlamentar", disse o líder da minoria.

Na semana passada, a CMO aprovou o relatório da LDO com o orçamento secreto impositivo e sob controle de Lira. Os congressistas rejeitaram simbolicamente um destaque que poderia retirar o pagamento obrigatório das emendas RP-9. Não houve apoio suficiente para realizar uma votação nominal, o que mostraria quem está a favor e contra o mecanismo. O PT e os demais partidos da oposição não deram apoio ao voto nominal. O texto deve ser mantido no plenário.

"É mais fácil o Bolsonaro vetar do que a oposição ficar contra. A impositividade é porque não é justo um receber e o outro não", disse o relator da LDO, senador Marcos do Val (Pode-ES).

"O que vemos no Congresso é uma apatia moral. Muitos acham errado, muitos acham que não é o melhor caminho, mas ninguém se rebela, todo mundo fica quieto. É uma apatia moral assustadora", afirmou a líder do Novo na comissão, Adriana Ventura (SP), que apresentou o destaque.

De acordo com interlocutores, Lula está convencido de que não governaria se Lira continuar controlando o orçamento. Aliados, no entanto, tentam convencer o petista a aceitar o jogo do presidente da Câmara para abocanhar parte dos recursos.

O presidente do Solidariedade sugeriu ao petista apoiar a reeleição de Arthur Lira na presidência da Câmara para evitar uma derrota semelhante à de 2015, quando Eduardo Cunha (PTB) foi eleito e abriu o processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), e depois irrigar os projetos do governo com as emendas do orçamento secreto, se for eleito.

"Se alguém imagina que vai voltar aquele modelo antigo que o orçamento fica nas mãos dos ministros... jamais", afirmou Paulinho da Força.

A manobra de Lira desagradou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o relator-geral do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), aliado do ex-presidente Lula.

Pacheco tentou convencer Marcos do Val a retirar os dispositivos do relatório, em uma reunião na residência oficial do Senado com Marcelo Castro e o líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), na véspera da votação da LDO pela comissão de Orçamento.

No fim da conversa, no entanto, Pacheco e Eduardo Braga concordaram com a imposição das emendas, deixando Marcelo Castro isolado nas críticas.