Pesquisadores usam IA para identificar sinais de doença degenerativa em expressões faciais
29/08/2024 19h15
Como é uma doença neurodegenerativa, a esclerose lateral amiotrófica (ELA) causa fraqueza muscular que avança progressivamente. Uma das consequências é a paralisia motora irreversível, que afeta também os músculos do rosto. Agora, pesquisadores buscam identificar os padrões de paralisia facial da doença com ajuda da inteligência artificial.
Em estudo publicado na revista científica Digital Biomarkers, o brasileiro Guilherme Oliveira e seus colegas utilizaram a ferramenta para analisar vídeos de pessoas com ELA e indivíduos saudáveis realizando expressões faciais. Os movimentos eram simples, como sorrir, levantar a sobrancelha ou assoprar uma vela, mas já puderam munir o banco de dados da IA para identificar sinais sutis de paralisia facial.
"Não é algo para substituir os exames tradicionais, é para ajudar a identificar (a doença) e para monitorar o progresso, sempre auxiliando um médico", explica Oliveira, que iniciou o estudo durante o doutorado na Universidade Estadual Paulista (Unesp) e atualmente trabalha no Instituto Real de Tecnologia de Melbourne (RMIT), na Austrália.
Diagnóstico precoce
Atualmente, a ELA é diagnosticada por meio de uma série de exames e costuma se manifestar conforme o envelhecimento - por isso, é mais comum entre os 55 e 75 anos de idade, mas é uma condição rara.
Além dos músculos do rosto, a doença afeta também aqueles responsáveis pelo movimento de pernas, braços, mastigação, deglutição e respiração e, por isso, tende a levar o paciente à morte.
Como é uma doença sem cura, o tratamento busca maximizar a função muscular do paciente para promover qualidade de vida. Assim, o registro periódico das imagens poderia auxiliar na percepção do avanço da ELA ao menos nos sintomas que afetam o rosto, o que pode embasar ajustes no acompanhamento.
A ferramenta também pode ser útil no diagnóstico precoce, o que é importante para pacientes com ELA, segundo Diogo Haddad, neurologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e presidente da Comissão de Inovação e Tecnologia da Academia Brasileira de Neurologia.
"Obviamente a inteligência artificial nunca vai substituir o médico, dada a complexidade do cérebro, mas ela com certeza é um ponto importante para pensarmos em como avaliar esses pacientes cada vez mais precocemente", diz.
Aplicação em outros casos
Oliveira ressalta que o estudo é um projeto piloto da ferramenta e que pesquisas envolvendo o uso de imagens e IA precisam ser testadas em uma população ampla, já que a ferramenta deve aprender as possíveis diferenças em expressões faciais de pessoas de faixas etárias e etnias distintas. Por enquanto, o método foi testado por 22 pessoas, metade delas com ELA e todas com idade próxima aos 60 anos.
Além da ampliação das análises referentes à esclerose, o grupo tem trabalhado na identificação de sinais de outros problemas de saúde. Os pesquisadores já testaram a ferramenta em casos de acidente vascular cerebral (AVC), com sucesso em detectar os danos que o problema pode causar aos movimentos da face. Nesse caso, a ideia dos cientistas é que a IA ajude socorristas e paramédicos no atendimento de urgência, como uma triagem da extensão do problema.
O grupo está analisando ainda o uso da ferramenta em pacientes com doença de Parkinson, que também tem como um dos sintomas físicos a paralisia de músculos da face. Assim como nos casos de ELA, o método com IA pode ajudar a monitorar o avanço da doença.
"A ideia é agregar. As doenças neurodegenerativas são multi sintomáticas, e esse trabalho foca principalmente nos sinais de paralisia (da face), o que pode acontecer antes ou depois (de outros sintomas)", destaca Oliveira.
O pesquisador espera, futuramente, expandir os testes para públicos mais amplos para que a capacidade de análise da inteligência artificial fique mais precisa e identifique padrões específicos de diversas doenças.
Para Haddad, do Oswaldo Cruz, o Brasil está crescendo muito na área de inovação e tecnologia, e o novo estudo reflete isso. Ele destaca também que a proposta da pesquisa está bem estabelecida e que encontrar padrões da face para avaliar doenças neurológicas fará parte do processo diagnóstico em um futuro não tão distante.