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Investigado por elo com PCC revela voos com malas de dinheiro a Brasília

Dalton Baptista Neman, dono do Banco Neman, nega relação com facção e decide revelar tudo o que sabe -- ou quase tudo Imagem: José Cícero/Agência Pública

Alice Maciel;

Agência Pública

03/10/2024 04h00

No dia 3 de maio de 2021, o empresário Dalton Baptista Neman, seu filho e sua esposa, foram presos pela Polícia Federal (PF) sob a acusação de envolvimento com o PCC (Primeiro Comando da Capital).

Um inquérito da PF concluiu que o negócio da família, o Banco Neman, lavava dinheiro para o tráfico. Dois anos depois, a ação penal foi extinta por "nulidade dos elementos de prova", mas em agosto de 2024, os Neman foram novamente associados ao PCC, numa operação da Polícia Civil de São Paulo, que os acusa de lavar capitais para traficantes que atuam na Cracolândia.

Apontado como "banco do PCC", investigações policiais levantaram suspeitas de que o Banco Neman também teria servido de lavanderia de dinheiro de propina.

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Em entrevista exclusiva à Agência Pública, Dalton negou todas as acusações de forma veemente, disse que não deve nada à Justiça, mas admitiu que foi ele quem indicou o doleiro Wilson Decaria Júnior para trabalhar com o PCC e que ele próprio transportava dinheiro para poderosos em Brasília. "Tudo dentro da lei, com nota fiscal e declarado no meu Imposto de Renda e no IR da empresa", defendeu-se.

"Meus clientes tinham CND (Certidão Negativa de Débitos) para trabalhar para o governo. Se me pedem para eu sacar um milhão, porque eu tenho know-how, e levei o dinheiro com nota fiscal, o que fazem com o dinheiro é problema deles. Vão atrás deles e prendam eles", ressaltou Dalton. "Nunca teve um real de droga na nossa conta, mas eles insistem em falar que nós somos do partido", acrescentou, referindo-se ao PCC.

Ao longo da entrevista, Neman, hoje com 60 anos, contou sobre sua relação com o PCC, como operava o Banco Neman e o perfil dos seus clientes; falou das viagens que fez para Brasília com milhões em espécie; e sobre a criação de grandes projetos que lhe renderam fortunas, com direito a Gugu Liberato (já falecido) de garoto propaganda.

Como operava o Banco Neman, segundo seu fundador

Pianista de formação, Dalton diz ter criado, em 2005, o que chama de primeiro banco virtual "do planeta terra". O projeto surgiu, segundo ele, a partir da demanda de um amigo advogado, que abriu uma empresa nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal, de jogos online (popularmente conhecido como 'Bets'). Segundo Neman, esse amigo precisava receber e pagar os apostadores no Brasil. Foi então que o músico teve a ideia de criar o Banco Neman, que apesar do nome, não era um banco de verdade, mas uma empresa de cobrança, segundo seu fundador.

O negócio funcionava da seguinte maneira, como mostra o passo a passo do infográfico abaixo.

Infográfico mostra como operava o Banco Neman, segundo seu fundador Imagem: Agência Pública

O atendimento individualizado de saques de grandes volumes em dinheiro com frete para todo o país virou um grande atrativo do banco, que também operou para empresas com contratos públicos e para políticos, conforme contou Dalton, preservando o nome dos seus contratantes.

O modelo inovador que ele se orgulha de ter criado no mercado financeiro, para a PF, no entanto, teria servido para lavar capital destinado ao pagamento de propina. O empresário nega o crime, mas reconhece que alguns clientes distribuíam o dinheiro em troca de favores.

"A gente só fazia saque, não fazíamos depósito. Nós recebíamos o valor em conta da própria empresa interessada e retornávamos em espécie, para que eles, com esse dinheiro, fizessem os pagamentos de político, de funcionários, das 'bolas' [gíria para propina] de quem assinou para eles ganharem a licitação, porque isso é mais velho que andar para frente. E isso é problema deles", argumentou Dalton, referindo-se às acusações.

O Banco Neman tinha um escritório no aeroporto Campo de Marte, em São Paulo, de onde ele dizia que saíam as malas de dinheiro que eram transportadas em aviões e entregues pessoalmente para o freguês. Eu emitia a nota fiscal e voava para Brasília, para o Rio, com o dinheiro para clientes. Como eles não queriam aparecer, eles pediam para eu levar o dinheiro", detalhou o empresário.

Ele contou que entre 2012 e 2019 se hospedou diversas vezes no Meliá Hotel, na capital federal. Lá, segundo Dalton, foram transferidos de R$100 mil a R$1 milhão para assessores de deputados, que mesmo com a insistência da reportagem, ele se recusou a revelar os nomes. "Eu ficava no hotel e entregava as malas de dinheiro lá dentro e no dia seguinte eu pegava o avião e ia embora", lembrou o empresário.

O Banco Neman, cuja razão social é Elias Jose Neman Consultoria & Logistica Limitada, encontra-se inapto na Receita Federal desde outubro de 2023. Dalton afirmou que vai "acertar todas as pendências" e fechar o negócio.

Atualmente, há duas firmas registradas no nome de Dalton Neman na Receita Federal: a Fair Play Intermediações e Cobrança e a Piraju Produtora de Projetos Especiais. Com a Piraju, ele diz que pretende lançar um negócio semelhante à operação do Banco Neman. Dalton contou que vai oferecer saques e depósitos a partir de R$ 10 mil, com delivery grátis, em até 24 horas.

Os clientes do Banco Neman e as investidas da PF

Dalton Baptista Neman, dono do Banco Neman, diz ter operado para o bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira Imagem: José Cícero/Agência Pública

Na cartela de clientes do Banco Neman, de acordo com Dalton, estavam grandes Bets, o que ele diz ter sido seu principal mercado de atuação.

Ele também diz ter operado para o bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, que já ficou preso sob acusações de envolvimento no crime organizado e corrupção. E foi por conta dessa relação com os jogos de azar que o negócio de Dalton Neman entrou pela primeira vez na mira da PF.

Em 2012, a empresa foi alvo da Operação Monte Carlo, que revelou um esquema de exploração de jogos ilegais e corrupção em Goiás e no Distrito Federal, que teria sido liderado por Carlinhos Cachoeira. "Eles bloquearam minhas contas, tomaram o dinheiro de todos os meus clientes", lembra Dalton. Segundo ele, poucos dias depois o montante foi liberado por decisão judicial.

Um episódio de 2019 confirma o modus operandi do banco criado por Dalton. À época, mais uma vez, os Neman foram alvo da PF. Em 28 de outubro daquele ano, o irmão do empresário, Douglas Baptista Neman, foi flagrado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) transportando R$ 160 mil em um ônibus que saiu de São Paulo com destino a Brasília. Douglas alegou que estava à serviço da Bidu Cobranças, Investimentos, Transportes e Participações, antigo nome do Banco Neman.

O dinheiro, conforme documento apresentado pela defesa em pedido de restituição do montante à Justiça Federal, seria da empresa VA & Informática Ltda (que atualmente se chama GRG Tech Assessoria em Informática), que possui contratos com o governo federal. Conforme dados do Portal da Transparência, a firma já recebeu R$ 108,6 milhões dos cofres públicos, de junho de 2014 a junho de 2024. Procurada, a empresa não retornou aos contatos da Pública.

O Banco Neman também foi apontado pela PF na Operação Tempestade, de ter lavado o dinheiro que teria sido usado para pagamento de propina pelo Instituto de Atenção Básica (Iabas), pivô de um escândalo de corrupção durante a epidemia de Covid-19 no Rio de Janeiro, que levou ao impeachment do ex-governador Wilson Witzel.

"Nunca soubemos que o Iabas era nosso cliente. Acredito que isso foi uma total armação da PF para nos prejudicar", acusa Dalton,

Prisão e ligação com o PCC: "Aqui não, Caião!"

"Fui conhecer o PCC porque fui preso, e só fiz amigos lá dentro", diz Dalton Neman Imagem: José Cícero/Agência Pública

Dentre todos os escândalos dos Neman, o que mais deixa Dalton incomodado se refere às acusações de que ele estaria envolvido com o PCC.

Além da sua empresa ter ganhado apelidos como 'Banco do Crime' e 'Banco do PCC', foi por causa da operação da PF batizada de Tempestade, que Dalton Neman e a família ficaram três meses presos e outros dois anos usando tornozeleira eletrônica. "Fui conhecer o PCC porque fui preso, e só fiz amigos lá dentro, não tenho negócio com nenhum, mas fiz amigos, por conta da prisão", destacou.

Ele e seu filho, Caio Neman, ficaram 25 dias detidos no Centro de Detenção Provisória (CDP) Pinheiros IV, na ala dos presos acusados de envolvimento com a facção. Depois, eles foram transferidos para a Penitenciária Regional de Presidente Venceslau, unidade de segurança máxima, onde permaneceram até 15 de agosto de 2021.

A Operação Tempestade chegou aos Neman após o piloto que trabalhava para o PCC, Felipe Ramos Morais, afirmar, em acordo de delação premiada com a PF e o MPF, que o Banco Neman operava para o grupo. Felipe foi preso em 2018, acusado no envolvimento no assassinato dos líderes da facção Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, e Fabiano Alves de Souza, o Paca.

Em setembro de 2021, o piloto declarou à Justiça ter sido "forçado, torturado e pressionado pelos policiais federais" a realizar a colaboração premiada e em fevereiro de 2023 ele foi morto pela Polícia Militar de Goiás. Após sua morte, o juiz substituto da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, Diego Paes Moreira, extinguiu o processo por "nulidade dos elementos de prova".

Dalton Neman contou que Felipe Morais era amigo de escola do seu filho. "O delator era amigo do meu filho de ginásio. Quando ele conseguiu ter uma condição financeira melhor, fez um curso de piloto, foi trabalhar para o partido [PCC] e chamou o meu filho para operar. Eu falei: 'aqui não, Caião! Eu não vou mexer com isso'", destacou o empresário.

Ele contou que na ocasião, indicou o doleiro Wilson Decaria Junior para operar para a facção. "Eu sou proibido de ter um amigo que é doleiro?", afirmou. Dalton alega que Decaria teria deixado dívidas com o PCC. "O Wilson ficou devendo para o Felipe e para o Cabelo Duro [antigo líder da facção que também foi assassinado]. Na briga, envolveram a gente", destacou.

Em 23 de agosto deste ano, o nome dos Neman voltou a ser associado ao PCC. A Polícia Civil de São Paulo deflagrou a 5a fase da Operação Downtown, que investiga a participação de empresas nacionais e internacionais na lavagem de dinheiro para o crime organizado.

A investigação, conforme apurou a Pública junto a policiais que atuaram no caso, teria concluído que o Banco Neman integra um "sistema financeiro do PCC", com diversas outras empresas.

"Nós identificamos que esse grupo de empresas transacionavam grande volume de dinheiro entre si, de modo a distanciar a origem do dinheiro. Em relação ao Banco Neman, identificamos muita entrada de dinheiro em espécie", contou uma fonte que atua no caso.

As novas acusações de envolvimento com a facção, noticiadas pela imprensa no dia da operação no mês passado, motivaram Dalton Neman a falar pela primeira vez com um veículo de imprensa.
O empresário diz que desde que saiu da prisão, em 2021, tenta retomar seus negócios, mas que têm encontrado barreiras por conta do que alega serem "falsas acusações".

O começo da carreira em negócios milionários

A primeira vez que um negócio dos Neman virou notícia nos jornais foi em 1994, e não foram nas páginas policiais. À época com 30 anos, Dalton criou uma empresa de sorteios de carros "inovadora", o Grupo Neman Promoções e Eventos. Um modelo hoje muito disseminado no mercado, em que cupons de sorteio são distribuídos em estabelecimentos comerciais como brinde aos clientes.

"Uma espécie de rifa coletiva", como definiu a revista Veja, em matéria publicada em 30 de novembro daquele ano, sobre o sorteio de uma BMW. "Uma criação da empresa de promoções Neman", informou o impresso. "Começou ali o meu primeiro projeto de grande sucesso", se gabou Neman.

O projeto durou três anos (1992 -1994), e só acabou, de acordo com o empresário, porque a PF e o Exército 'bateram em sua porta', por terem associado o negócio a jogos de azar.

Por causa disso, ele contou que decidiu criar um projeto "com autorização" do governo, que foi apelidado de "trock troco", lançado em São Paulo em 4 de novembro de 1999. Dalton diz que inventou um novo modelo de sorteio, em que a pessoa trocava moedas reais por moedas de papel, que podiam render diversos prêmios, como bicicletas, automóveis e até dinheiro.

A propaganda do Trock Troco foi parar nas maiores emissoras de rádio e televisão do país com a cara do apresentador Gugu Liberato.

Após o fim do Trok Troco, Dalton fundou seu mais longevo negócio, que lhe rendeu milhões, uma prisão, e alguns escândalos: o Banco Neman.

Edição: Thiago Domenici

Esta reportagem foi produzida pela Agência Pública (apublica.org) e publicada em parceria com o UOL.

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