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Análise/ As duas faces de Jerusalém

26/07/2017 16h32

SÃO PAULO, 26 JUL (ANSA) - Por Andre Lajst* - Jerusalém é uma cidade mágica. Pode ser considerada o berço das civilizações e um marco na história do mundo moderno. Visitá-la pode ser uma experiência marcante por toda uma vida. Porém, Jerusalém vive duas realidades paralelas, diferentes e, muitas vezes, antagônicas. A Jerusalém turística, especial, marcante, emocionante, descrita no primeiro parágrafo se confunde com a Jerusalém política, violenta, polêmica e complexa, que temos acompanhado desde sempre, mas, em especial, nas duas últimas semanas. Existem algumas maneiras de analisarmos a Jerusalém política. As mais conhecidas são as mais clássicas, pelos olhos de israelenses ou pelos olhos de palestinos. Tentarei, neste artigo, enxergar os lados israelenses e palestinos, ao mesmo tempo.   

Em 1967, Israel conquistou o resto de Jerusalém, incluindo a Cidade Velha, além de outros territórios da Jordânia, na conhecida Guerra dos Seis Dias. Logo após a guerra, Israel chegou a um entendimento com os jordanianos para que uma administração religiosa sob custódia do país árabe fosse implementada sob o Monte do Templo/Esplanada das Mesquitas. O Monte do Templo é o nome dado ao local onde os dois templos judaicos estiveram de acordo com a tradição judaico/cristã.   

Esplanada das Mesquitas é o nome do mesmo local, mas usado pelo Islã para se referir a onde se localiza a terceira mesquita mais sagrada do mundo, Al Aqsa, e o Domo da Rocha, a famosa cúpula dourada, símbolo do cartão postal de Jerusalém. Ao mesmo tempo que os israelenses conquistam uma região que, para eles, faz parte do seu local mais sagrado, para os palestinos e muçulmanos em geral, significava a perda da soberania sobre um local religioso muito importante. O acordo que Israel fez com a Jordânia tinha como objetivo justamente diminuir eventuais tensões. Este acordo e seus detalhes são conhecidos como "Status Quo". Há duas semanas, terroristas árabes israelenses usaram a Esplanada das Mesquitas/Monte do Templo para esconder e receber as armas de fogo usadas para, minutos depois, cometer o atentado que matou dois policiais israelenses que faziam a segurança do local sagrado. Devido ao Status Quo, por decisão da administração religiosa islâmica da Jordânia, não há sistemas de detectores de metais ou revistas nas entradas da Esplanada das Mesquitas, diferentemente de outros locais sagrados da cidade.   

Após o atentado, Israel decidiu implementar detectores de metais em todas as entradas do local, gerando protestos na cidade e em diversas localidades do mundo, sobre a acusação de que Israel estava mudando o "Status Quo". Para Israel, não havia motivos para protestos ou revoltas, tampouco para argumentações de que havia uma tentativa de mudanças do Status Quo. A polícia e o governo de Israel, na qualidade de responsáveis máximos pela segurança do local, uma vez que toda Cidade Velha de Jerusalém está anexada a Israel e é a capital do país, decidiram por implementar novas medidas para evitar atentados, e isso não significa mudar o Status Quo. Porém, para muitos árabes e palestinos, a implementação imposta de Israel remetia a um pensamento mais profundo sobre o conflito palestino-israelense, no qual Israel ainda controla a soberania e fronteiras da Cisjordânia. Como o Status Quo na Esplanada das Mesquitas/Monte do Templo faz com que haja alguma soberania árabe sobre o local, junto com a relevância religiosa do mesmo, ainda que simbólica, o lado árabe se sentiu afetado como se estivesse sendo imposto um checkpoint - um posto de controle israelense - para entrar no local sagrado. Obviamente, o ato de Israel de implementar medidas de segurança não foi imposto de propósito, como uma afronta aos árabes, e sim, como uma medida única e exclusivamente para evitar novos atentados, porém, ao mesmo tempo, as ramificações de decisões consideradas normais de segurança sofrem interpretações diferentes nesta parte do mundo, e a sensibilidade para elas são essenciais para que esse barril de pólvora não exploda da noite para o dia. Muitos líderes árabes, palestinos e religiosos islâmicos ao redor do mundo, interpretaram politicamente o que foi uma decisão técnica de segurança por parte de Israel. Suas interpretações incentivaram protestos violentos na cidade sagrada nos últimos dias. Porém, parte de suas interpretações são provenientes de uma narrativa judaica minoritária, que prega a destruição da mesquita e a reconstrução do templo judaico.   

Esta visão não é compartilhada pelo governo ou pela sociedade israelense como um todo. No entanto, se colocada fora de proporção, pode fazer uma fogueira se transformar em um incêndio. O episódio que começou há pouco mais de uma semana gerou protestos, mortos, mais atentados e pressões internacionais para que Israel retirasse os detectores, o que foi feito na noite do dia 24 para o dia 25. No lugar, serão implementadas câmeras de alta resolução ligadas a um banco de dados e um sistema de monitoramento, a fim de identificar possíveis suspeitos. Porém, mesmo com a decisão da retirada dos detectores e implementação de câmeras, os protestos continuam e fiéis ainda se negam a voltar a normalidade e rezar dentro do Monte do Templo/Esplanada das Mesquitas. Isso só reforça a teoria de que o problema não são as medidas de segurança por Israel. O episódio descrito acima não é simples, é complexo, assim como Jerusalém e sua história e assim como o conflito palestino-israelense. Não há fórmulas mágicas de entender uma realidade complexa. Podemos apenas analisar com diferentes olhos. ** Andre Lajst é cientista político, especialista no conflito palestino-israelense e diretor executivo do Instituto Brasil-Israel. (ANSA)
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