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Votação na Venezuela pode piorar crise de refugiados

Crise na Venezuela parece não ter fim - Foto: AFP
Crise na Venezuela parece não ter fim Imagem: Foto: AFP

29/07/2017 13h31

Como um barril de pólvora prestes a explodir, a Venezuela, ou ao menos parte dela, vai às urnas neste domingo (30) para a eleição da Assembleia Constituinte idealizada pelo presidente Nicolás Maduro, uma votação que pode agravar ainda mais a crise no país e disseminar refugiados pelas outras nações da região.   

A Constituinte foi convocada pelo líder chavista no início de maio, como uma forma de tentar responder à onda de protestos diários que à época já durava mais de 30 dias. Na eleição, serão escolhidos os responsáveis por reescrever a Constituição da Venezuela, esvaziando o poder legislativo da Assembleia Nacional, que é controlada pela oposição.   

Para os adversários de Maduro, que prometem um boicote, a votação é apenas uma artimanha do presidente para ampliar seu poder e agarrar-se ao cargo, além de ser "ilegítima", por ter sido convocada por decreto, e não por referendo. A eleição e uma possível vitória do chavismo podem insuflar ainda mais uma população já inflamada contra um regime fortemente armado.   

Desde o início do ano, o número de solicitantes de refúgio venezuelanos no mundo já chega a 50 mil, um crescimento de 85,2% em relação ao registrado em 2016 inteiro, 27 mil, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). E a cifra de pessoas sujeitas a receber proteção internacional pode ser ainda maior.   

Muitos venezuelanos não se registram nos países de fuga como solicitantes de refúgio, ainda que muitas vezes indiquem estar fugindo da violência. De acordo com o Acnur, a tradição de receptividade na América Latina e as travas burocráticas inerentes ao processo de concessão de refúgio incentivam venezuelanos a permanecerem de maneira irregular nas nações que os abrigam.   

Países sul-americanos "invadidos"

Estima-se que, apenas na Colômbia, a quantidade de pessoas nessa situação seja de 300 mil (pelo menos 210 mil delas receberão uma permissão especial de residência por dois anos), enquanto no Brasil esse número seria de 30 mil.   

Oficialmente, 12.960 venezuelanos pediram refúgio em solo brasileiro em 2017, segundo dados do Acnur referentes a julho. O número fornecido à ANSA pelo Ministério da Justiça é mais baixo, porém diz respeito apenas até junho: 7,6 mil.   

De qualquer maneira, trata-se de um notável crescimento em relação ao total de solicitações feitas por venezuelanos durante todo o ano de 2016: 3.368. A emergência causada por esse deslocamento em massa é particularmente grave nos estados de Roraima e Amazonas, que fazem fronteira com a Venezuela, mas seus efeitos também podem ser sentidos em locais mais distantes.   

Segundo Aryadne Bittencourt, agente de proteção legal do programa de atendimento a refugiados e solicitantes de refúgio da Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro, a entidade, que é ligada a Igreja Católica, vem recebendo solicitações de venezuelanos todos os dias.   

"Certamente, [a Venezuela] está entre as principais nacionalidades [que pedem refúgio] aqui no Rio, entre a primeira e a segunda. Assim como no Brasil, onde os venezuelanos são hoje os principais", diz ela, em entrevista à ANSA.   

Muitos se enquadram nos termos clássicos do refúgio, ou seja, denunciam perseguições por motivos políticos, mas também existem outros tipos de fatores que levam a essa fuga em massa, como a violência urbana e a escassez de remédios e alimentos.

O que define um refugiado?

Pela convenção das Nações Unidas sobre o tema, só pode ser refugiado alguém que, "temendo ser perseguido por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou política, encontra-se fora do país de sua nacionalidade e não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção dessa nação".   

Bittencourt conta que os venezuelanos que chegam até o Rio de Janeiro são aqueles que têm condição financeira suficiente para comprar uma passagem aérea, ao contrário daqueles que entram no país pela fronteira terrestre, que costumam estar em uma condição de carência mais grave, às vezes até passando fome.   

"Mas tampouco são pessoas que não enfrentam necessidades.   

Normalmente, elas só têm dinheiro para chegar aqui, depois precisam de mais", acrescenta. Essa situação evidencia um problema decorrente de uma resolução normativa publicada pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIg) em 2 de março de 2017.   

Tal documento abre a possibilidade de cidadãos de países fronteiriços que não fazem parte do acordo de residência do Mercosul, caso da Venezuela, obterem uma permissão de moradia temporária válida por até dois anos.   

No entanto, é preciso ter entrado no Brasil por via terrestre, pagar duas taxas que totalizam R$ 300 e abrir mão do direito ao refúgio, o que, na prática, significa ignorar a necessidade de proteção que essa pessoa tem.   

"Quase nenhum venezuelano tem esse dinheiro para pagar, são pessoas que precisam desesperadamente de um emprego", afirma a agente da Cáritas.

Risco de piora

Esse cenário já delicado pode se agravar depois da Assembleia Constituinte de Maduro. Muitos venezuelanos atendidos pela entidade católica aguardam o desfecho da votação para definir seus próximos passos, assim como aqueles que já são residentes no Brasil e podem se sentir tentados a pedir refúgio em caso de uma contundente vitória chavista.  

"Eles estão desesperados, vieram aqui pedir apoio, identificavam a consulta popular como um último suspiro antes da Constituinte", diz Bittencourt, em referência ao plebiscito simbólico organizado pela oposição em 16 de julho, quando 98% dos 7,1 milhões de eleitores votaram contra a assembleia para reescrever a Constituição.  

O próprio Acnur abriu recentemente escritórios nas cidades de Boa Vista, capital de Roraima, e Manaus, no Amazonas, para lidar com o aumento no fluxo de venezuelanos nos dois estados, onde o cenário ganha contornos ainda mais críticos por causa da exploração promovida por grupos criminosos e dos efeitos desse deslocamento em grupos indígenas que vivem na fronteira.  

"Para entrar no Brasil, eles já ficam em uma fila de quatro horas, o que já é considerado uma anormalidade. Se aumentar esse fluxo, acho que seria catastrófico", alerta a agente da Cáritas.  

De acordo com o Acnur, outros países que têm recebido um grande número de pedidos de refúgio de venezuelanos são Estados Unidos (18,3 mil), Peru (4.453), Espanha (4,3 mil) e México (1.044).