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Retrospectiva/2017,ano em que o turismo 'incomodou' italianos

26/12/2017 07h28

SÃO PAULO, 26 DEZ (ANSA) - Por Lucas Rizzi - Viajar pela Itália, por suas vielas estreitas de prédios baixos e por seus museus e símbolos monumentais de um passado grandioso é uma das experiências mais belas que uma pessoa pode ter. Mas, por outro lado, o apelo que o país da bota evoca no imaginário de milhões de turistas por todo o mundo vem se tornando uma dor de cabeça para os próprios italianos, mostrando a outra face de um do motores da economia nacional.   

2017 foi o ano em que os habitantes locais se ergueram contra o turismo predatório, ou turismo de massa, ou turismo fast food.   

São vários os termos para designar as multidões que tomam os centros históricos das cidades mais famosas da Itália e irritam moradores acossados pela alta do preço dos aluguéis e pela perspectiva iminente de ter de se mudar para um bairro mais distante.   

A Itália recebe cerca de 56 milhões de visitantes estrangeiros por ano, número quase igual a sua população (60 milhões) - para efeito de comparação, o Brasil, com 207 milhões de habitantes e 28 vezes maior que a nação europeia, teve 6,6 milhões de turistas do exterior em 2016, de acordo com a Confcommercio.   

Se, por um lado, alguns brasileiros podem olhar com inveja para o potencial atrativo da Itália, por outro, os italianos talvez desejem que seu país comece a ser um pouco mais Brasil. O maior exemplo disso é Veneza.   

Com 261 mil moradores, a encantadora cidade dos canais recebe aproximadamente 10 milhões de turistas por ano, sendo que praticamente todos eles se concentram nos oito quilômetros quadrados de seu centro histórico (o tamanho de um distrito médio de São Paulo), habitado hoje por cerca de 55 mil pessoas.   

Há 70 anos, após o fim da Segunda Guerra Mundial, a região abrigava 175 mil moradores, e o número continua caindo. A cadeia de eventos é simples: o número de turistas cresce, a demanda por hotéis aumenta, venezianos passam a oferecer suas casas para viajantes, os imóveis para moradia escasseiam, os aluguéis sobem, as pessoas se mudam de cidade.   

E não para por aí. Outro efeito do turismo de massa é a transformação de negócios tradicionais e frequentados por locais em lojas de lembrancinhas ou de fast food voltadas para os forasteiros, tanto que a Prefeitura introduziu neste ano a chamada norma "antikebab", que proíbe a abertura de atividades de venda e produção de itens alimentares para consumo na rua no centro histórico de Veneza e nas ilhas de Murano e Burano - a única exceção são as sorveterias artesanais, um clássico da Itália.   

Essa não foi a única medida adotada pelo governo municipal, pressionado pelos recorrentes protestos de moradores contra a "invasão" de sua cidade e os comportamentos inadequados dos viajantes, como pular das pontes nos canais e urinar em locais públicos.   

Em pleno verão, a Prefeitura proibiu o consumo de bebidas alcoólicas na rua durante as noites e madrugadas dos fins de semana até outubro. Além disso, de maneira permanente, aumentou as multas por violações do "decoro" no município. Quem nadar nos canais, por exemplo, está sujeito a sanções de até 450 euros; quem jogar lixo no chão, pode ser multado em até 400 euros; quem andar andar na rua sem camisa, a até 200 euros.   

Outra medida importante veio do governo da Itália, que fechou um acordo para proibir navios de cruzeiro na Bacia de San Marco e no Canal de Giudecca, no centro de Veneza - dentro de três ou quatro anos, os "grandes navios" terão de mudar sua rota e ancorar em um porto mais afastado.   

Para o ítalo-brasileiro Gerardo Landulfo, diretor de uma operadora de turismo baseada em Gênova, essas restrições, porém, não são algo tão atual. "As limitações estão repercutindo mais, mas sempre existiram. Alguns lugares no interior da Toscana, como Montalcino e San Gimignano, têm acesso limitado", diz ele, que nega efeitos sobre sua clientela por causa da cruzada antituristas na Itália. Fora de Veneza - Como Landulfo indicou, as ações contra o turismo de massa não se restringem à capital do Vêneto. Em Roma, o Ministério dos Bens Culturais decidiu instituir a cobrança de ingresso no Pantheon, local onde estão sepultados italianos célebres, enquanto a Prefeitura fez um teste para controlar o acesso de turistas à Fontana di Trevi. Em Florença, as Gallerie degli Uffizi, maior museu renascentista do mundo, aumentará o preço dos bilhetes para privilegiar visitantes realmente interessados em arte.   

Além disso, sob pressão do setor hoteleiro, o governo italiano instituiu um imposto automático de 21% sobre o valor total de cada reserva em "serviços de aluguéis breves" - leia-se "Airbnb". O site é um dos bodes expiatórios escolhidos pelos movimentos contrários ao turismo de massa para criticar a gentrificação e o esvaziamento populacional dos centros históricos das cidades do país.   

A Itália não fechará às portas para os viajantes. Mas, ao que tudo indica, pretende incentivar um novo estilo de turismo. Nas palavras do diretor das Gallerie degli Uffizi, Eike Schmidt, o país vem criando mecanismos para afastar o turista "morde e foge" e, depois do movimento "slow food", se tornar também a terra do "slow tourism" - tema já declarado pelo governo italiano para 2019.   

"Aumentou de tal forma o número de visitantes que essas medidas foram sendo tomadas. Mas o turista que vai e fica na cidade não sente esse efeito. Todo lugar onde há muito turista tem que ter alguma forma de controle. Isso não acontece só na Itália. Veneza não quer turista? Claro que quer. Mas não quer um excesso", disse Landulfo. (ANSA)
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