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Festival de Mar del Plata debate igualdade de gênero

13/11/2018 17h26

MAR DEL PLATA, 13 NOV (ANSA) - Por Maria Zacco - Os estereótipos de gênero, sua reprodução no cinema e a possibilidade de refazer esse caminho para oferecer um verdadeiro reflexo das pessoas são alguns dos pensamentos que surgiram no primeiro fórum sobre as desigualdades no âmbito da sétima arte. "Conversas informais sobre as perspectivas de gênero, os temas e filmes que queríamos mostrar agora têm um espaço formal", explicou Cecilia Barrionuevo, diretora artística do Festival Internacional de Cinema de Mar del Plata.   


Este é o primeiro Fórum de reflexões sobre as desigualdades no cinema, no âmbito da 33ª edição do único evento "classe A" da América Latina, com o apoio do Instituto Nacional de Cinema e Artes Audiovisuais (INCAA). A profunda assimetria no campo das artes, os abusos na indústria cinematográfica, o que deu origem ao movimento #MeToo, e feminicídio, que na Argentina deu à luz ao grupo #NiUnaMenos "fazem necessário pensar sobre que cinema estamos fazendo", acrescentou Barrionuevo. "Eu tenho um corpo ou sou um corpo?", escreveu certa vez o filósofo alemão, Friedrich Nietzsche, cujas ideias influenciaram grande parte do pensamento dos séculos 19 e 20, e até mesmo o 21, porque essa questão, com alguma reformulação, hoje é mais válida do que nunca: um corpo ou uma genitália nos define?. Este questionamento é o ponto de partida do fórum, que lançou a filósofa argentina Esther Diaz, estrela do filme "Mujer Nómade" em que o diretor Martin Farina conta sua vida e mostra como esta mulher de 78 anos enfrenta os mandatos de uma cultura patriarcal, que a exige ser sempre jovem e bonita. A câmera mostra seus atrasos entre a razão (mulher que pensa) e a vontade (versão atraente). Mas demonstra fundamentalmente como a filosofia atravessa um corpo. "A mulher é sexualmente desejável até os 40 anos. Depois, não existe. Com este filme, que é como eu aplicar botox, eu mostrei que, na minha idade, eu posso mostrar corpo, sentir desejo e fazer sexo", disse Díaz. O fórum não pretende debater a posição desfavorecida das mulheres no cinema e nos bastidores, mas também abordar a escassa presença na tela das diferentes identidades de gênero. Outra integrante do painel, a atriz brasileira transgênera Julia Katherine, relatou que desde muito pequena desejava dedicar-se a atuação, mas só fez isso há alguns anos. "Agora eu não sei por quanto tempo posso continuar fazendo, o Brasil é um dos países que mais mata mulheres trans. Temos pouca visibilidade, não só no cinema, mas na vida", afirmou a brasileira.   


Katherine ainda acrescentou que hoje seu país está "em uma situação que é quase uma ditadura, uma época de grande medo e retrocesso". "Só de pensar que a partir de 1 de janeiro talvez eu não possa trabalhar mais no cinema me preocupa muito", disse a atriz se referindo a data em que Jair Bolsonaro, abertamente racista e homofóbico, assumirá a presidência. Katherine é protagonista de "Lembro Mais dos Corvos", o primeiro longa-metragem de Gustavo Vinagre, um documentário íntimo através do diálogo honesto, que não é sobre transexualidade, mas sobre o modo de sentir a vida e como as pessoas corrompem a imagem que alguém tem de si mesmo. Em referência à vontade e liberdade de estar no mundo, a fotógrafa e cineasta Valérie Massadian também se expressou.   


"Toda vez que vou a um festival de cinema sempre há cinco tipos de [homens] brancos que dizem: 'Este ano fizemos muitos filmes com mulheres'. Isso teria que ser revertido, muitas mulheres deveriam estar dizendo: 'Nós fizemos cinco filmes com homens brancos neste ano'", disse. Massadian acrescentou que a discriminação e abuso de mulheres nos filmes são de longa data. Principalmente porque o " #MeToo" não começou com uma atriz branca de Hollywood, mas muito mais cedo com ativistas negras. Mas hoje nós todos pensamos em Kevin Spacey [o ator da série 'House of Cards' demitido] quando se fala destes casos". Após também ser vítima de abuso sexual ao se encontrar com um produtor para financiar seu primeiro filme, a cineasta afirmou que a única maneira de acabar com isso é "se afastar da figura do pai abusivo e isso é alcançado com a independência econômica". Para isso, é necessário praticar a chamada "união", através da formação de coletivos femininos. As atrizes argentinas Calu Rivero, Noemí Frenkel e Muriel Santa Ana também participaram do fórum, para falar sobre suas experiências na indústria cinematográfica. Santa Ana argumentou que "toda atriz é exposta à violência por causa de sua aparência física e é muito difícil não ceder a outras formas de violência, como entrar em uma sala de cirurgia porque pensa que ela é um defeito a ser corrigido".   


"Ser atriz define uma forma de liberdade, de resistência". Por isso, ela expressou sua admiração por duas mulheres fortes que andaram longe do estereótipo feminino e foram impostas no cinema argentino dos anos 1930 e 1940: Nini Marshall e Tita Merello. O Festival de Cinema Mar del Plata ocorrerá até 17 de novembro em Buenos Aires. Neste ano, o evento tem a França como país convidado, e pela primeira vez a direção artística é assumida por uma mulher, a argentina Cecilia Barrionuevo.(ANSA).   


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