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A história do único quadro de Rafael no Brasil

06/04/2020 15h28

SÃO PAULO, 06 ABR (ANSA) - Por Lucas Rizzi - Um quadro de 55x42 centímetros e que mostra Jesus Cristo ressurgindo do túmulo é o único exemplar no Brasil do mestre renascentista Rafael Sanzio (1483-1520), cuja morte completa exatos 500 anos nesta segunda-feira (6), em um dia de celebrações esvaziadas por causa da pandemia de coronavírus.   


Feita em óleo sobre madeira, a "Ressurreição de Cristo" é datada de 1499-1502 e faz parte do acervo do Museu de Arte de São Paulo (Masp) desde 1958, mas enfrentou um caminho tortuoso até ser reconhecida - e não de forma unânime - como criação de um dos grandes ícones do Renascimento.   


O quadro apareceu na literatura bibliográfica pela primeira vez em 1880, quando o historiador alemão Wilhelm von Bode (1845-1929) o identificou na coleção de um lorde chamado Kinnaird na Escócia, o que lhe valeu o nome de "Ressurreição Kinnaird".   


Entre 1921 e 1923, o historiador da arte italiano Umberto Gnoli (1878-1947) chegou a atribuí-lo a Mariano di Ser Austerio, um pouco conhecido contemporâneo de Rafael e, assim como o colega mais famoso, discípulo de Pietro Perugino (1446-1523). Mas logo uma reviravolta mudaria o rumo das discussões.   


Segundo um artigo da historiadora da arte Juliana Barone publicado em 1994, o debate sobre a autoria da "Ressurreição Kinnaird" ganhou "nova cor" em 1927, quando Regteren Van Altena, em uma comunicação privada ao alemão Oskar Fischel, relacionou o quadro a dois desenhos assinados por Rafael e mantidos no Museu Ashmolean, em Oxford, Reino Unido.   


Até então, os esboços eram considerados trabalhos preparatórios para a "Ressurreição de Cristo" pintada por Perugino para a igreja de San Francesco al Prato, em Perugia, e hoje exposta nos Museus Vaticanos. Mas a comunicação de Van Altena abriu uma nova hipótese para a origem da "Ressurreição Kinnaird".   


Os desenhos do Ashmolean retratam quatro figuras, duas delas praticamente idênticas a soldados que assistem ao ressurgimento de Cristo na peça atribuída a Rafael. A partir daí, o debate se dividiu entre os que viam nos esboços uma preparação para a "Ressurreição Kinnaird" e os que também os relacionavam à "Ressurreição" de Perugino - para estes, ambas as pinturas teriam saído do ateliê do mestre de Rafael.   


Em 1954, no entanto, o historiador e colecionador italiano Pietro Maria Bardi (1900-1999), um dos fundadores do Masp, comprou a "Ressurreição Kinnaird" em um leilão e bancou sua atribuição a Rafael. O quadro seria integrado ao acervo do museu quatro anos depois. Até a eclosão da pandemia de coronavírus, estava exposto em um dos cavaletes de cristal do Masp.   


"A 'Ressurreição Kinnaird' distancia-se desta produção de bottega. A suposta semelhança entre o painel vaticano e o 'Kinnaird' é substituída pela ideia de um aprimoramento da composição, seja na construção individual das figuras, seja na orquestração de seus elementos compositivos", diz Barone em seu artigo.   


A partir de 1954, a maioria dos historiadores seguiu Bardi, com diferentes graus de convicção, embora a atribuição a Rafael nunca tenha se tornado unânime. No entanto, apesar da falta de consenso, a "Ressurreição de Cristo", um dos trabalhos mais emblemáticos do Masp, é reconhecida majoritariamente como parte da fase formativa do pintor renascentista, que testou nela uma série de inovações perspectivas, como a tampa que gira sobre o sarcófago e a narrativa desenvolvida nos planos da obra.   


"O painel Kinnaird representa o momento de um Rafael virtual, de expressão do seu próprio período de formação, umbro, no qual se observa a influência de Perugino e de Pinturicchio [seu outro mestre], mas também de indagações próprias", afirma o artigo de Barone. (ANSA)
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