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O mais difícil era ligar para famílias, diz médica italiana

28/05/2020 14h34

SÃO PAULO, 28 MAI (ANSA) - Era uma noite de meados de março quando a anestesista italiana Manuela Moresco recebeu seu primeiro paciente com Covid-19, a doença provocada pelo novo coronavírus.   

Paramentada com capacete, óculos e luvas duplas, a médica mal enxergava os rostos dos colegas do serviço de emergência que haviam levado o paciente e se deu conta de que estava entrando em uma situação "surreal".   

"Era minha primeira vez fardada com todos esses equipamentos, em uma condição pouco confortável para trabalhar. Eu tinha medo de não ter sensibilidade nas mãos para encontrar as artérias dos pacientes ou fazer outras manobras, mas consegui", conta Moresco, em entrevista à ANSA.   

A anestesista trabalha em uma das unidades de terapia intensiva (UTI) do Hospital Policlínico Tor Vergata, em Roma. Até a pandemia, ela atuava em cirurgias cardíacas, mas, em meados de março, o hospital passou a atender apenas pacientes da Covid-19, incluindo suas três UTIs.   

"Em poucos dias, transformamos o hospital completamente.   

Transferimos todos os doentes internados aqui para outras estruturas e fizemos uma pequena formação para aprender a vestir e desvestir os equipamentos [de proteção]", diz.   

Com 5,6 mil casos, a província de Roma está longe dos principais focos de contágio na Itália, como Milão (22,9 mil), Turim (15,5 mil), Brescia (14,6 mil) e Bergamo (13,2 mil), mas Moresco pôde sentir de perto o drama da pior pandemia global em um século.   

Segundo a anestesista, o pior momento era o giro diário de telefonemas para informar familiares sobre as condições clínicas dos pacientes. "Esses telefonemas eram a coisa mais difícil, não víamos os rostos daquelas pessoas, e elas não viam os nossos.   

Por telefone, era frequentemente muito difícil nos fazer entender, mas também era difícil para eles, que estavam sozinhos em casa. Era sempre um momento muito triste. Estavam todos sozinhos: pacientes, parentes e até nós", afirma.   

Fases - O paciente mais jovem nas UTIs do Tor Vergata tinha 35 anos, e o mais velho, em torno de 80, mas a faixa predominante era entre 50 e 60 anos. De acordo com Moresco, a doença se divide em duas fases: a primeira é a viral, na qual acontece a replicação do coronavírus Sars-CoV-2 e com sintomas semelhantes aos da gripe, e a segunda é a inflamatória, quando o organismo reage à infecção.   

"Em uma parcela relevante de pacientes, essa resposta inflamatória é excessiva, sobretudo em nível pulmonar, causando uma síndrome de desconforto respiratório agudo [SDRA]. Quando a doença está em fase muito avançada, a UTI obtém poucos sucessos, ou então obtém sucessos depois de muito tempo de internação", relata.   

O último paciente a receber alta da UTI do Tor Vergata tinha 56 anos e ficou 42 dias internado para vencer a Covid-19. "O paciente não deve chegar à UTI. É preciso fazer com que os casos sejam diagnosticados o quanto antes e com que os pacientes sejam tratados rapidamente em casa", acrescenta.   

Após cerca de dois meses intensos, a situação no hospital - e no restante da Itália - é melhor. Segundo Moresco, duas das três UTIs para Covid-19 foram fechadas, e o Tor Vergata está começando a retomar sua atividade normal.   

"Sabemos que, se houver uma segunda onda, responderemos de maneira mais pronta tanto do ponto de vista de nossa capacidade como de organização", garante. Para Moresco, o "lockdown" é a única esperança contra a doença neste momento, já que evita o colapso de hospitais e reduz o número de pacientes atendidos ao mesmo tempo.   

Segundo balanço da Defesa Civil, a Itália tem 231,7 mil casos e 33,1 mil mortes na pandemia de coronavírus. (ANSA)
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