Topo

Esse conteúdo é antigo

Por que a defesa da natureza é fundamental para o Papa

27/10/2021 15h03

SÃO PAULO, 27 OUT (ANSA) - Por Tatiana Girardi - Quase 800 anos depois de um dos santos mais conhecidos da Igreja Católica, São Francisco de Assis, ter pregado o respeito e a proteção da natureza e do planeta, o tema da preservação ambiental virou um dos pilares de outro Francisco, o atual papa católico.   

Perto do início de mais uma conferência climática das Nações Unidas, a COP26, que começa no dia 31 de outubro, especialistas destacam o papel do pontífice para além da religião.   

Para o teólogo e filósofo Leonardo Boff, "o Papa se deu conta de que os verdadeiros problemas de hoje não são os intra-eclesiais, são aqueles ligados ao futuro da vida, da Terra e de nossa civilização".   

"Ele se conscientizou dessa mudança de foro, e a influência da reflexão latino-americana o ajudou nisso: a opção pelos pobres, pela justiça social e pela libertação deve incluir a Mãe Terra superexplorada por um sistema assassino de vidas humanas e vidas da natureza. É o capítulo mais avançado da teologia da libertação", destaca o teólogo em entrevista à ANSA.   

Citando a encíclica ambiental Laudato Si' ("Louvado Seja"), publicada em 2015, Boff pontua que esse não é um documento que fala só da "ecologia verde", mas "vai muito mais além", com trechos que foram inclusive reafirmados na última encíclica de Jorge Bergoglio, a "Fratelli Tutti" ("Todos irmãos"), de 2020.   

Os dois documentos têm profunda ligação com São Francisco de Assis: o título do primeiro é de uma das preces mais famosas do santo; o segundo foi lançado em Assis, em 4 de outubro, data em que a Igreja celebra São Francisco e lembra da irmandade entre as criaturas.   

"Vai muito além, pois apresenta-se como uma ecologia integral que abarca o ambiental, o social, o político, o cultural, o cotidiano e o espiritual. Nela [na Laudato Si'], fica clara a sua preocupação e mensagem: 'o cuidado da Casa Comum'. A segunda, 'Fratelli tutti', radicaliza a questão: 'estamos no mesmo barco; ou nos salvamos todos ou ninguém se salva'", ressalta.   

Para Boff, essa postura mais aberta aos assuntos de fora da Igreja Católica marca uma grande mudança em relação aos antecessores, os papas João Paulo II e Bento XVI, que se preocupavam "em primeiro lugar com a ortodoxia da fé, com doutrinas, sem uma verdadeira teologia da secularização".   

"Por isso, ambos os papas procuravam esvaziar o valor inovador do Concílio Vaticano II. Francisco, ao contrário, quer uma Igreja em saída, voltada pra fora, sem muros, uma Igreja como um hospital de campanha que acolhe a todos indistintamente, religião ou ideologia. Dai sua preocupação principal é com aqueles que estão fora, excluídos dos benefícios de nossa cultura, e denuncia as causas que os fizeram pobres e que também empobrecem a Terra por uma selvagem exploração em nome de um crescimento ilimitado", diz o teólogo.   

Já o engenheiro florestal brasileiro Virgilio Maurício Viana, recém-nomeado para a Pontifícia Academia de Ciências Sociais do Vaticano, reconhece que Francisco deu uma ênfase maior à questão ambiental, mas acredita que esse é um processo que já vinha sendo construído na Igreja Católica.   

"Na verdade, a entrada da Igreja na discussão antecede a encíclica [Laudato si'[, antecede o Papa. No Brasil, as campanhas da fraternidade já abordavam isso. Mas preciso dizer que houve um aumento da ênfase. Talvez ela tenha subido de patamar, de importância, não é que começou agora", ressalta Viana.   

O membro da Pontifícia Academia, porém, ressalta que Francisco pensa "de uma maneira grande, não apenas restrita à matriz católica, e sempre faz reuniões onde participam aiatolás, rabinos e anglicanos".   

"Uma das coisas que o Papa cita é a interpretação do patriarca Bartolomeu sobre o [livro do] Gênesis. Ao invés de Deus ter dado ao homem o mandato de dominar a natureza, ele teria dado na verdade um mandato para cuidar da natureza. [A questão ambiental] Está sim no coração do Papa. Ele convoca a uma revolução ecológica", acrescenta Viana.   

Boff também cita essa particularidade do discurso de Bergoglio, ressaltado no texto da "Laudato Si'".   

"A catequese nunca incluiu a preocupação pela Casa Comum, nunca enfatizou nossa missão que está no Genesis, no capitulo 2, de 'guardar e cuidar do Jardim do Éden', quer dizer, da Terra viva.   

O que predomina é uma visão doutrinária, voltada para dentro, e não uma visão atualizada e pastoral voltada para fora e sendo sensível aos problemas mais graves - que são os problemas das grandes maiorias empobrecidas e do planeta superexplorado pela voracidade de um sistema de morte", pontua Boff.   

Questionado se acredita que essa visão mais ampla e em prol do meio ambiente pode "desaparecer" quando Francisco deixar o comando da Igreja, o teólogo diz que não vê essa possibilidade.   

"Seria uma irresponsabilidade pastoral e teológica retornar à zona do conforto doutrinário anterior, alheio ao que ocorre no mundo", explica Boff, acrescentando que o argentino vai "inaugurar uma nova genealogia dos papas do assim chamado 'terceiro mundo'".   

"Com as nomeação de cardeais que já fez, [Francisco] vai garantir, numericamente, um papa que prolongará essa linha." Brasil - Tanto Viana como Boff ressaltam que a vivência de Bergoglio na América Latina também é parte da construção dessa visão ambiental.   

O novo nomeado para a Pontifícia Academia lembra tanto das Campanhas da Fraternidade, realizadas anualmente pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em todas as suas dioceses e que discutem temas relevantes e atuais da sociedade, como de um evento realizado em 2006 sobre religião, ciência e meio ambiente no Amazonas.   

Já o teólogo destaca a mobilização feita pela Igreja Católica no país por conta das queimadas ocorridas na Amazônia, no Pantanal e no Cerrado nos últimos anos.   

"Ela se mostrou profeticamente ativa, especialmente os bispos da região amazônica, criticando o total abandono do governo central com os problemas dos povos indígenas e dos ribeirinhos.   

Introduziu-se, particularmente depois do Sínodo Pan-Amazônico, toda uma pastoral ecológica. Ativas na consciência ecológica são as CEBs, as comunidades eclesiais de base, cerca de 80 mil em todo o país, que podem ser lidas também como comunidades ecológicas de base", pontuou Boff. (ANSA).   

Veja mais notícias, fotos e vídeos em www.ansabrasil.com.br.