Topo

Vizinhos de estádio 'padrão Fifa' convivem com 'padrão periferia' em Fortaleza

"Desde que começaram as obras para a avenida, minha casa passou a alagar sempre que chove", reclamou Lucineide Cavalcanti Lima, vizinha do estádio Castelão - BBC
"Desde que começaram as obras para a avenida, minha casa passou a alagar sempre que chove", reclamou Lucineide Cavalcanti Lima, vizinha do estádio Castelão Imagem: BBC

Rogerio Wasserman

Enviado especial da BBC Brasil a Fortaleza

20/06/2013 00h06

Basta cruzar a avenida Alberto Craveiro, que passa em frente ao estádio Castelão, em Fortaleza, para verificar que o "padrão de primeiro mundo" exigido pela Fifa para as arenas da Copa do Mundo está até agora restrito ao lado de dentro do estádio.

"Acabando a Copa, no ano que vem, nós ficaremos esquecidos de novo em nossa realidade típica da periferia de Fortaleza", disse à BBC Brasil o professor Raimundo João da Silva, de 55 anos, cuja casa, na rua Primeiro de Abril, fica a poucas dezenas de metros do estádio.

A reportagem da BBC Brasil visitou a rua na manhã desta quarta-feira, poucas horas antes da partida entre Brasil e México, disputada no estádio pela Copa das Confederações, e ouviu queixas de que as obras para o torneio não só não resolveram os inúmeros problemas com os quais eles convivem diariamente como criaram novos problemas.

  • BBC

    "Acabando a Copa, no ano que vem, nós ficaremos esquecidos de novo", disse Raimundo João da Silva


"Desde que começaram as obras para a avenida (Alberto Craveiro), minha casa passou a alagar sempre que chove", reclamou a trabalhadora doméstica Lucineide Cavalcanti Lima, de 31 anos. "A Copa não ajudou em nada os moradores, só piorou nossa situação."

Segundo ela, o problema pode ter sido causado pelo trabalho de terraplanagem para a construção da avenida e pela instalação de um estacionamento adjacente aos fundos de sua casa, que levaram à retirada da vegetação que cobria o local.

Acesso de torcedores

"Em vez de sermos beneficiados, fomos prejudicados", reclamou o taxista Paulo Sérgio Araújo, de 41 anos. Morador da região há 18 anos, ele diz que as obras no local do estádio privilegiaram somente a rota de acesso dos torcedores, sem se preocupar com o entorno.

"Além disso, o que fizeram foi feito às pressas, com gambiarras", disse ele, apontando para um buraco no calçamento da avenida ao lado do estádio (do lado de sua rua, não há calçada). O calçamento foi terminado nesta semana, após a inauguração oficial da avenida, no último sábado.

Ao lado

  • BBC

    "O que fizeram foi feito às pressas, com gambiarras", critica o taxista Paulo Sérgio Araújo


Nos últimos dias, foi intensa a movimentação de operários na região para terminar o acabamento da avenida. O canteiro central na frente do estádio só foi finalizado na tarde de terça-feira, com a colocação de tapetes de grama.

Na noite de terça-feira, a reportagem da BBC Brasil pôde ver também carros-pipa lavando a avenida na frente do estádio, acompanhados de funcionários com esfregões.

A lavagem da avenida provocou revolta entre os moradores, que reclamam ter passado semanas sem água encanada durante as obras para a avenida. A maioria das casas no local também não tem sistema de esgoto.

"As pessoas tinham que buscar água em outros lugares. Era comum ver gente circulando por aqui carregando baldes de água", comentou o ajudante de depósito Joaciran Alves, de 42 anos.

Para o professor Raimundo João da Silva, mesmo as obras que foram feitas, como o alargamento da avenida, correm o risco de serem abandonadas depois. "As obras estão aí, não vão demolir. Mas não vai haver manutenção", disse.

"Quero ver o que vai acontecer quando começarem a aparecer os buracos no asfalto, se virão tampar."

Para ele, mesmo o estádio do Castelão, que tem capacidade para 60 mil pessoas e cuja reforma consumiu R$ 520 milhões, corre o risco de ser subutilizado depois.

"Aqui não há grandes times e não temos estrutura para grandes eventos. O estádio vai ficar vazio."