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Para analistas, 'espionagem' abala, mas não põe em risco relação Brasil-EUA

09/07/2013 04h50

Não é exatamente a agenda que Brasil e Estados Unidos pretendiam enfatizar, a apenas três meses da visita com honras de Estado que a presidente Dilma Rousseff fará a Washington, em outubro.

Mas as denúncias de que a Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) coletou milhões - possivelmente bilhões - de dados de ligações e e-mails trocados no Brasil passam e ter destaque nas preocupações bilaterais após serem reveladas pelo jornal "O Globo" no domingo.

Analistas no Brasil e nos Estados Unidos não esperam que o caso reverta a "lua de mel" bilateral que culminaria, no plano simbólico, com a visita de Dilma. Mas deveria obrigar os Estados Unidos a "reconquistar", na visão de outros analistas, a confiança de países aliados abalada pelos escândalos.

"É uma denúncia gravíssima e que o governo está tratando com muita seriedade. Mas não creio que vá chegar a comprometer as relações diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos", disse à BBC Brasil o professor de Relações Internacionais da PUC-SP Geraldo Zahran.

"O problema é que pode haver algum confronto de prioridades entre os dois países, já que esse não é um assunto de prioridade para os Estados Unidos . Tudo vai depender das conversas entre os governos nos próximos dias."

Para o diretor do Brazil Instituto, do Wilson Center, Paulo Sotero, ainda é cedo para avaliar o efeito das alegações, já que Brasil e Estados Unidos ainda estão na fase de trocar esclarecimentos.

"É óbvio, porém, que a curto prazo, os fatos alegados introduzem um tópico claramente negativo numa agenda ainda rala e em busca de engajamentos positivos", diz Sotero.

"Entendimentos ou acordos que envolvam compartilhamento de informações, como por exemplo a inclusão de brasileiros num programa piloto do Global Entry, oferecida por Washington, ficam obviamente mais difíceis, se é que eram viáveis."

'Contaminação'

O próprio Itamaraty diz que não trabalha com a hipótese de "contaminação" de outros temas da agenda bilateral pelas denúncias. Enquanto as explicações requisitadas junto ao governo americano não forem recebidas e analisadas, o Ministério disse que não irá fazer conjecturas sobre o tema.

Na segunda-feira, em Belo Horizonte, o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, elogiou o que descreveu como "disposição para o diálogo" por parte do governo americano.

Na segunda-feira, o embaixador americano no Brasil, Thomas Shannon, se encontrou com o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. Segundo correspondentes, Shannon criticou as reportagens de O Globo por "apresentar uma imagem do nosso programa (de monitoramento das comunicações) que não é correta".

Mais tarde, Paulo Bernardo disse que Shannon havia negado que os Estados Unidos tenham monitorado ligações e dados de internet no Brasil.

"Ele negou que haja esse monitoramento aqui no Brasil, disse que nunca teve essa central de dados aqui e também que não tem nenhum tipo de convênio com empesas brasileiras para coletar dados em território brasileiro", disse o ministro, em declarações reproduzidas na Agência Brasil.

Para o ministro, não há razão para que as denúncias azedem as relações entre Brasil e Estados Unidos. "Nós vamos trabalhar com muita prudência e tranquilidade".

"Acho que não tem motivo para isso. Por outro lado, temos que ser firmes e exigir transparência. Somos países amigos, mas isso não elimina a necessidade de exigirmos explicações."

Não faça o que eu faço

As declarações oficiais até agora confirmam a suspeita de analistas para quem o escândalo levará o Brasil a subir o tom contra os Estados Unidos nas instâncias relevantes, mas evitando se confundir com países como a Venezuela, Nicarágua, Bolívia e Cuba, que ofereceram asilo ao homem que revelou o programa secreto, o ex-agente da CIA Edward Snowden.

"O Brasil sempre caminhou sobre a linha fina entre ser um aliado dos Estados Unidos e pressionar contra os Estados Unidos e a Europa em instâncias internacionais. E sob o governo do PT, conseguiu reafirmar a sua autonomia sem ir tão longe quanto os países da Alba (Aliança Bolivariana para as Américas)", disse à BBC Brasil um especialista em temas brasileiros da American University, em Washington, Matthew Taylor.

"Acredito que isso vai continuar. Muito dessa negociação ocorrerá a portas fechadas e o Brasil deve fazer reprimendas nas instâncias internacionais. Isto (o escândalo) abala a lua de mel, mas não levará a uma separação", compara.

Taylor observa a "ironia" de Brasil e Estados Unidos integrarem um diálogo global sobre transparência governamental e diz que as revelações sobre o alcance da espionagem americana - não apenas no Brasil, mas no mundo - é um "golpe para o prestígio americano" nesse tema.

"Nos últimos três ou quatro anos, o vazamento de informações por parte do site WikiLeaks, e agora Snowden, passa a impressão de que o comportamento dos Estados Unidos não está de acordo com o que prega", diz o especialista.

"Para a opinião pública brasileira, ficará a sensação de que os Estados Unidos pedem mais democracia e transparência no mundo, e no entanto, veja como se comportam!"

Legislação global

Após as denúncias, o Itamaraty prometeu levar o caso à União Internacional de Telecomunicações (UIT), um órgão da ONU cujo objetivo é promover e aconselhar as práticas internacionais para o setor.

Em nota, o Ministério disse que pretende lançar normas internacionais que "protejam a privacidade dos cidadãos" e ao mesmo tempo "preserve a soberania de todos os países".

Atualmente, a organização responsável por estabelecer as regras para o uso da internet é o ICANN, com sede nos Estados Unidos. A entidade controla, por exemplo, os nomes de domínios e distribui os números de Protocolos de Internet (IPs).

Tentativas de democratizar o seu funcionamento não afastaram as acusações de que do órgão permanece sob influência majoritária do governo americano.

"(Este caso) provavelmente levará a novas discussões sobre como tornar a internet uma plataforma realmente internacional, em oposição a uma plataforma controlada por alguns países desenvolvidos", disse Matthew Taylor.

Grampos nos EUA

O programaO Prism é um programa de inteligência secreta americana que daria ao governo acesso aos dados de usuários de serviços de grandes empresas de tecnologia
Quais dados?Não se sabe exatamente, mas qualquer informação poderia ser consultada. O jornal 'Washington Post' cita e-mail, chat, fotos, vídeos e detalhes das redes sociais
Quem sabia?Segundo Obama, o programa foi aprovado pelo Congresso e é fiscalizado pelo Poder Judiciário no país. Todas as empresas negaram participação
FuncionamentoDe acordo com fontes do jornal britânico 'The Guardian', o governo poderia ter acesso aos dados sem o consentimento das empresas, mas, como eles são criptografados, precisaria de chaves que só as companhias possuem
Empresas possivelmente envolvidasMicrosoft, Google, Facebook, Yahoo, Apple, Paltalk, Skype, Youtube, AOL