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Em 5 anos, UPPs trazem segurança, mas moradores pedem mais serviços

19/12/2013 17h10

Cinco anos após a implantação da primeira UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), o projeto expulsou traficantes e reduziu o número de homicídios e a taxa de criminalidade nas 36 unidades beneficiadas, espalhadas por 27 comunidades do Rio de Janeiro, além de estar relacionado a uma melhoria dos índices de educação.

Apesar dos avanços, o processo de pacificação ainda recebe críticas, sobretudo quanto à urgência do que moradores e especialistas consideram ser o "segundo passo", com a oferta e melhoria de serviços básicos como saúde, creches, saneamento, iluminação pública, correios e coleta de lixo.

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  • Arte/UOL

O projeto foi lançado em dezembro de 2008 na comunidade da Santa Marta, incrustada entre os bairros de Botafogo e Laranjeiras, na Zona Sul do Rio.

Na favela, hoje considerada pelo comando das UPPs como "unidade modelo", não há registro de tiroteios nem assassinatos há cinco anos, e nas unidades pacificadas como um todo a média de homicídios é de um terço da nacional --8,7 por 100 mil habitantes em 29 favelas pacificadas analisadas, enquanto que no restante do país há 24,3 homicídios por 100 mil habitantes.

Além do Santa Marta, outras seis comunidades pacificadas (Chapéu Mangueira, Babilônia, Ladeira dos Tabajaras, Morro dos Cabritos, Formiga e Salgueiro) não registraram assassinatos em 2012, de acordo com os números do Instituto de Segurança Pública fluminense (ISP).

No campo da educação, um sinal de avanço é a melhora dos índices de aprendizado entre alunos de 170 escolas localizadas num raio de 500 metros das favelas pacificadas. Entre 2009 e 2011, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) aumentou em 40,6% nas regiões pacificadas e em 22,2% no sistema de ensino público em geral. A taxa corresponde ao desempenho dos estudantes do 6º ao 9º ano em exames oficiais.

Por outro lado, além da queixa quanto à falta ou deficiência de serviços - que restringem a cidadania dos moradores e a integração com aqueles que vivem fora das favelas -, há também denúncias indicando que a violência persiste, com alegações de abusos praticados por soldados de UPPs; o caso do pedreiro Amarildo, cuja investigação indica provável morte após tortura; confrontos em favelas já pacificadas e a migração do tráfico para outras áreas da cidade e do Estado.

Insatisfação e longo prazo

Para Ignacio Cano, do Núcleo de Estudos da Violência da UERJ, os grandes objetivos das UPPs foram atingidos: diminuição da violência, eliminação da lógica de guerra e retomada de territórios.

"Agora, achar que a favela, da noite para o dia, vai ser como o 'asfalto', é ingenuidade. Estamos falando de um processo de dez, 15 anos", diz, embora concorde que o governo deva aumentar os investimentos em projetos que melhorem serviços básicos.

Ele também ressalta que nunca foi meta das UPPs erradicar totalmente o tráfico. "Todos os lugares têm venda e consumo de drogas. Ipanema e Leblon também têm. A questão era eliminar o tráfico armado, e retomar o controle nessas regiões, o que Estado conseguiu."

Cano diz que, em geral, após as ocupações a cúpula do tráfico vai para outros morros da mesma facção ainda não pacificados e os intermediários continuam operando nas comunidades. "Claro que como 'convidado' de outro traficante, em outras favelas, esses chefes têm sua capacidade de atuação muito limitada, coordenando pequenos crimes."

Joana Monteiro, do Ibre/FGV-Rio, concorda que existe uma "realocação" do tráfico, mas que se trata de algo difícil de precisar e quantificar.

"Há dados que mostram que no mesmo mês em que o Complexo do Alemão foi pacificado, por exemplo, houve mais registros de tiroteios relacionados ao tráfico em regiões não pacificadas, como o Morro dos Macacos."

Para a pesquisadora, expandir a política, sobretudo intensificando as UPPs na Zona Norte, é um desafio para o futuro.

Quanto à melhoria de serviços, condições de vida e chegada de mais infraestrutura, ela avalia que deve-se levar em conta que o resultado de "décadas de abandono não será revertido rapidamente".

"Achar que a UPP transformará as favelas num eldorado é uma ilusão, levando em consideração um ordenamento urbano irregular de muitos e muitos anos."

A análise é partilhada por José Mário Hilário dos Santos, presidente da Associação de Moradores da Santa Marta. "A UPP não é uma panaceia, não é a solução de todos os problemas. Ela só vem permitir que as comunidades não sejam mais consideradas áreas de risco, e que com isso o Estado não possa mais justificar a impossibilidade de entrar, proporcionando a cobrança dos nossos direitos e criando condições para a verdadeira transformação social."

 

Desafios

Para ele, o principal desafio da política como um todo continua sendo expandir o projeto para além da segurança pública. "Se você entra apenas com a polícia, estamos falando de uma ocupação, e não uma pacificação. A paz só pode ocorrer com a cidadania."

José Mário diz que na Santa Marta os três maiores problemas atualmente são a coleta de lixo, as tarifas de luz muito altas e as condições de moradia. Mas embora sejam mais gritantes em outras favelas, mesmo na "UPP modelo" há denúncias de abusos.

"A diferença é que aqui a gente resolve na hora. Eu tenho os caminhos para levar questões como essas diretamente ao governo. Se houver abuso, a gente consegue tirar (o soldado da UPP da comunidade)."

Há três anos em posições de comando em três diferentes UPPs (Cidade de Deus, Cerro-Corá e Santa Marta, sob sua chefia há três meses), o capitão Jeimison Barbosa diz que é exatamente a construção de uma relação de confiança entre o morador e o soldado o maior desafio ainda a ser atingido.

"Há pouco tráfico, os assassinatos foram muito reduzidos e o que mais atendemos, ao menos na Santa Marta, são casos de lesão corporal, brigas de vizinhos, violência doméstica, além de idosos ou mulheres em trabalho de parto que precisam ser levados ao hospital. Agora o difícil é conquistar e manter a confiança do morador."

Barbosa cita dois fatores cruciais para isso: o temor de que a política de pacificação seja abandonada após as eleições do próximo ano ou depois da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016; e, mais uma vez, a falta de muitos serviços considerados essenciais.

"Claro que é algo de longo prazo, mas instalar delegacia da UPP não é o suficiente. A vida do morador precisa melhorar para ele acreditar no projeto."

Mas apesar dos problemas e da insatisfação pelo longo prazo para as transformações, Eduarda La Roque, presidente do Instituto Pereira Passos e chefe da UPP Social, que mapeia as necessidades das comunidades após a ocupação, diz que há exemplos positivos do que já foi conquistado nestes cinco anos.

Ela cita que as clínicas familiares, por exemplo, elevaram o índice de cobertura de saúde preventiva, de 3% para 75% nas regiões pacificadas. Nos últimos cinco anos mais de 6,5 mil vagas de creches foram criadas nessas comunidades, e unidades das Escolas do Amanhã representaram um ganho em ensino para as crianças em UPPs.

Ela avalia, no entanto, que "os desafios continuam sendo grandes". "Trata-se de um tecido social muito complexo. Muitos locais ainda são guetos isolados. Não é fácil instituir o Estado em comunidades que tinham regras totalmente excepcionais de funcionamento. Precisamos integrar, mas com base no diálogo."

Futuro

Um dos idealizadores do projeto, o secretário de Segurança Pública do Estado do Rio Janeiro, José Mariano Beltrame, admitiu recentemente que a política de pacificação "precisa de ajustes".

Em entrevista ao jornal O Globo, ele também sugeriu que para executar o "segundo passo" exigido pelas comunidades e cobrado por especialistas, o governo não poderá fugir de uma estratégia de realocação de alguns moradores - tema polêmico e que tende a ser muito mal recebido nas comunidades cariocas.

"Como levar saneamento se o cano não passa? Como ajudar os mais pobres se eles vivem em aglomerados quase impenetráveis? (...) A favela precisa de acesso, de canos, de transporte coletivo, de ar livre (...). Mudar essa realidade vai exigir que algumas famílias troquem de endereço para a obra passar."