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Escândalos de corrupção arranham imagem do Chile de 'modelo' regional

11.fev.2015 - Em imagem de setembro de 2014, a presidente do Chile, Michelle Bachelet, dança com seu filho, Sebastián Dávalos, durante evento em Santiago - Mario Ruiz/Efe
11.fev.2015 - Em imagem de setembro de 2014, a presidente do Chile, Michelle Bachelet, dança com seu filho, Sebastián Dávalos, durante evento em Santiago Imagem: Mario Ruiz/Efe

Marcia Carmo

De Buenos Aires para a BBC Brasil

10/03/2015 08h06

Como nos últimos escândalos no Brasil, os casos chilenos envolvem políticos, empresários e supostas irregularidades como lavagem de dinheiro, tráfico de influência e enriquecimento ilícito. E geram debates entre os chilenos sobre os "limites da ética", sobre a "integridade dos políticos" e a necessidade de uma reforma política que inclua regras para financiamentos de campanha, como afirmaram, nesta segunda-feira (9), políticos da aliança governista Nueva Mayoría.

À semelhança do Brasil em meio à Operação Lava Jato, os escândalos surpreendem os chilenos pela trama apontada como "inédita" para o país e que envolve política e "muito dinheiro", como dizem nas TVs locais – e pela prisão de empresários e de políticos.

O primeiro escândalo envolve o filho de Bachelet, Sebastián Dávalos, que renunciou ao cargo de assessor presidencial e "primeiro-damo" (como era chamado), em fevereiro, após reportagem da revista "Qué Pasa", de Santiago.

A revista revelou que ele e a mulher, Natalia Compagnon, teriam conseguido empréstimo bancário equivalente a US$ 10 milhões, mesmo sem renda suficiente para adquiri-lo.

Com o dinheiro, eles compraram terrenos que logo teriam vendido por uma diferença de cerca de US$ 5 milhões, de acordo com a reportagem. Nesta segunda-feira, as TVs locais informaram que a polícia realizou uma batida na residência do casal para confiscar computadores e documentos como parte da investigação.

"Que a Justiça faça seu trabalho, não importa quem seja o envolvido", disse a presidente do Senado, Isabel Allende, filha do ex-presidente Salvador Allende e aliada política de Bachelet.

Em entrevista à imprensa, nesta segunda, o secretário-geral do Governo, ministro Álvaro Elizalde, disse que não acredita que a ação judicial na casa do filho afete a percepção sobre a presidente. "Não acho que haverá impacto importante na imagem presidencial", disse Elizalde.

Dávalos administrava projetos sociais com um cargo no palácio presidencial La Moneda e costumava acompanhar a mãe, que é solteira, nos eventos do governo. "Assumo que esta situação prejudicou a presidente e o governo chileno que contam com a minha total lealdade", disse Dávalos, que negou ter cometido algum delito.

'Momentos dolorosos'

Num discurso, a presidente disse que soube pela imprensa do episódio envolvendo seu filho mais velho. "Para mim, como mãe e como presidente, (estes) têm sido momentos dolorosos", afirmou Bachelet.

O episódio levou Ricardo Israel, professor de ciências políticas da Universidade Autônoma do Chile e ex-candidato presidencial, a dizer que a denúncia "pode chegar a ser tão prejudicial para Bachelet como é o caso da Petrobras para o governo da presidente Dilma Rousseff".

"Este caso é muito grave e pode afetar a presidente e o governo chileno. Os eleitores aqui podem ter agora a dúvida se a presidente sabia ou não da atitude do filho e da nora dela", afirmou por telefone, de Santiago.

Num debate na emissora de televisão TVN, na semana passada, analistas e formadores de opinião concordaram que o caso poderia afetar o governo de Bachelet, que completa um ano neste mês de março.

"Hoje as pesquisas mostram que mais de 70% dos chilenos não acreditam que a presidente não soubesse da irregularidade cometida pelo filho", disse o analista Juan Carlos Eichholz, especializado em políticas públicas. No debate, ele disse ainda que percebeu Bachelet agir "mais como mãe do que presidente".

'À vista'

A jornalista âncora do programa perguntou aos participantes do debate se o Chile se tornou um país corrupto, distante do país institucional e preocupado com a constituição. "Acho que estamos diante de atos que não eram visíveis, mas que agora sim estão aí à vista", respondeu o analista.

O diretor da revista "Qué Pasa", José Luis Santa María, que participava do debate, respondeu: "A diferença é que agora a escalada envolve o Palácio La Moneda e pode afetar a imagem presidencial".

A corrupção passou a ser tema de conversas entre políticos, na imprensa, nas ruas e até entre humoristas.

Em uma entrevista à televisão local, o humorista chileno Coco Legrand, que costuma lotar estádios, disse estar "indignado" com as denúncias de corrupção. "De menino prodígio, passamos (Chile) a ser um problema. Então, pergunto: para que partidos políticos, se todos são iguais?", disse.

No fim de semana, por determinação da Justiça, dois empresários e outras quatro pessoas, entre elas um ex-vice-ministro do governo do antecessor de Bachelet - o ex-presidente Sebastián Piñera -, foram presos, no que é apontado como "o maior escândalo de corrupção" do Chile.

Eles estão envolvidos no chamado "caso Penta", que inclui uma das principais holdings do país, nomes da alta sociedade empresarial chilena e de políticos.

O caso levou à formação de uma comissão parlamentar de inquérito para investigar doações de campanha e outras possíveis irregularidades que incluiriam notas fiscais adulteradas e dribles ao fisco para desvio de dinheiro para políticos.

Um dos acusados no caso, o senador Ivan Moreira, da UDI, partido de direita, rejeitou as acusações de ter recebido dinheiro de forma irregular.

"Eu não sou Al Capone ou membro de uma máfia. Nada disso", afirmou à imprensa local.

O presidente do partido da presidente, Osvaldo Andrade, do Partido Socialista (PS), da base governista, informou, nos últimos dias, que o filho de Bachelet renunciou a ser membro da legenda e disse ainda que discorda da tese de que todos os políticos não são éticos ou receberam dinheiro de forma irregular para suas campanhas.

"Não me digam que temos que apoiar isso. Não me digam que estas são as normas, não são", afirmou.

Em entrevista ao jornal "Página 12", de Buenos Aires, o ex-candidato presidencial Marco Enríquez-Ominami disse que é hora de "discutir a ética" na política chilena.

"Pessoalmente acho que a presidente é ética, mas num país socialmente tão desigual como o Chile o caso do filho dela simboliza esta desigualdade", disse o político, que já foi aliado de Bachelet.

Promessas

Os escândalos acabaram desviando a atenção dos projetos do governo que tinham sido promessa de campanha da presidente e saíram do papel nos primeiros meses deste novo mandato de Bachelet (ela foi presidente entre 2006 e 2010).

"No ano passado, Bachelet conseguiu a aprovação, sem grandes problemas, de todos os projetos que enviou ao Congresso. Mas neste ano pode ser diferente. O escândalo com o filho dela foi um balde de água fria e é preciso ver se não vai virar para ela o problema incômodo que a Petrobras é hoje para a presidente Dilma", disse Ricardo Israel.

O diretor do instituto de opinião Adimark, Roberto Méndez, disse que o caso que envolve o filho de Bachelet é uma "bomba que explodiu no meio do pátio do palácio presidencial La Moneda".

Adimark indicou que a aprovacao à presidente caiu de 44 para 39 pontos em fevereiro, após o escândalo.

Para o analista Guillermo Holzmann, professor de ciências políticas da Universidade de Valparaíso, é cedo para dizer se o caso do filho de Bachelet afetará seu governo.

"Até aqui o fato concreto é que ela aprovou medidas estruturais fundamentais como a reforma tributária e uma das etapas da reforma educacional, como havia prometido", disse por telefone.

O governo de Bachelet aprovou ainda medidas como a união civil entre pessoas do mesmo sexo e para casais heterossexuais que moram juntos e não são casados no papel.

A presidente também enviou ao Congresso o projeto de lei que prevê a legalização do aborto terapêutico.