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Falta de câmeras emperra "ônibus do crack" do governo Dilma

Ônibus que a Prefeitura de Cascavel (PR) recebeu em outubro de 2014 e que permanecia parado quase um ano depois; gestores dizem que falta de câmeras impede uso - Divulgação
Ônibus que a Prefeitura de Cascavel (PR) recebeu em outubro de 2014 e que permanecia parado quase um ano depois; gestores dizem que falta de câmeras impede uso Imagem: Divulgação

Thiago Guimarães

Da BBC Brasil em Londres

08/09/2015 14h53

Faça uma busca simples na internet pelas palavras "crack", "ônibus" e "entrega". O resultado é uma torrente de imagens parecidas: políticos e gestores de segurança pelo Brasil posando dentro e fora de micro-ônibus superequipados, simulando ou observando a operação em mesas de controle de imagens.

Esses micro-ônibus são parte fundamental do programa "Crack, É Possível Vencer", a principal aposta do governo Dilma Rousseff para enfrentar o tráfico e o uso de crack.

Um problema, contudo, vem dificultando a execução do programa pelo país. Várias prefeituras receberam os micro-ônibus, mas, por um atraso na licitação federal, os veículos chegaram sem as 20 câmeras destinadas a monitorar as cracolândias.

O resultado são ônibus customizados de R$ 850 mil parados em garagens, subutilizados ou funcionando em arranjos improvisados.

A ideia do programa é oferecer apoio ao policiamento em pontos de venda e consumo de crack e outras drogas. Por meio de monitores, agentes poderiam analisar imagens captadas por sete câmeras no ônibus e outras 20 espalhadas por cracolândias.

"O ônibus está parado desde o ano passado. É um problema. Vamos fazer o quê? Ficar andando só para mostrar o equipamento à população?", afirmou Eugênio Rozetti Filho, secretário Antidrogas de Cascavel (PR).

Segundo o secretário da cidade administrada pelo PDT, a demora faz com que guardas municipais capacitados para atuar no programa - uma exigência federal - já tenham até deixado a cidade ou mudado de profissão. "Muitos nem estão aqui mais."

Pacote de equipamentos

Juntamente com cada ônibus, o Planalto faz a doação de dois veículos, duas motos, 50 armas de choque e 150 sprays de pimenta, além das 20 câmeras - que em diferentes casos não chegaram e não há previsão de entrega.

Os ônibus são adaptados pela empresa gaúcha Comil, que venceu licitação para fornecer 140 unidades e já está nas últimas entregas.

Além das três estações de trabalho com dez monitores, cada veículo possui impressora multifuncional, bebedouro, cafeteira, frigobar, gerador, HD com 24 teras e as sete câmeras do veículo - uma delas fica num mastro móvel de 10 metros.

"O uso das bases móveis é de vital importância para aumentar a vigilância nas ruas. Cada vez mais, estamos tornando os locais públicos realmente seguros", afirmou, em abril de 2013, a secretária nacional da Segurança Pública, Regina Miki, quando o governo recebeu a chave do primeiro ônibus.

A BBC Brasil identificou ao menos cinco cidades, administradas por partidos de situação e oposição, que ainda esperam as câmeras. Relatos da imprensa local, no entanto, indicam que o número provavelmente seja muito maior.

Questionado pela reportagem, o Ministério da Justiça confirmou o atraso, mas não detalhou o número de prefeituras nessa situação. Informou apenas que a aquisição das câmeras ainda está em fase de "cotação para posterior licitação".

Aposta alta e dificuldades

Ao todo, 121 cidades com mais de 200 mil habitantes, nos 26 Estados e no Distrito Federal, são atendidas pelo chamado eixo autoridade do programa, que investiu R$ 279,2 milhões nesses equipamentos desde 2011.

A iniciativa tem ainda ações em outras áreas, como saúde e assistência social. A União financia, por exemplo, 8,3 mil vagas em 373 comunidades terapêuticas pelo país, a um custo de R$ 100 milhões por ano. Diz ainda ter repassado R$ 2 bilhões para atendimento de pessoas com transtornos mentais e decorrentes do uso de drogas.

O eixo autoridade, que inclui as bases móveis, é o de maior visibilidade do programa - daí as inúmeras fotos de políticos ao lado dos equipamentos.

Em imagem de outubro de 2014, secretário de Segurança de Maringá (PR) entrega chave de ônibus ao prefeito em exercício; segundo imprensa local, veículo ficou parado por oito meses e foi para manutenção em julho deste ano após 12 dias de uso

Em Limeira (SP), a prefeitura resolveu colocar o ônibus para circular em rondas convencionais. "Não estamos usando conforme o convênio (com a União), mas é melhor usar do que não usar", disse Maurício Miranda, secretário de Segurança da cidade administrada pelo PSB.

A solução em Campinas (SP), outra gestão do oposicionista PSB, foi ligar o ônibus nas câmeras de monitoramento que a prefeitura já tinha.

"Eu me virei. Tive que providenciar a expansão do software do meu sistema (de câmeras) e puxar um cabo de energia para ligar o ônibus, porque o gerador dele é muito barulhento e impossível usar. Ele até funciona, mas não irá ficar um 'craqueiro' em volta", diz Luiz Augusto Baggio, da pasta de Segurança municipal.

O secretário também critica a política de "pacote fechado" do programa. "Esse é o erro de impor um programa federal único em um país desse tamanho. Você tem que ajudar os municípios a resolver suas particularidades. Cidades sem estrutura ficam com um elefante branco parado", disse.

Prefeito de Campinas (SP), Jonas Donizette (PSB), inspeciona ônibus do programa federal em maio de 2015; gestão usou câmeras próprias e improvisou ligação elétrica para colocar veículo em circulação

Energia problemática

Já a prefeitura petista de Santo André (SP) tenta uma solução para ligar o ônibus - que tem sistema elétrico trifásico, diferente do residencial, que é monofásico.

"Vou instalar tomadas trifásicas nos pontos em que for deixá-lo ou adaptador para transformador portátil. Até porque o o governo federal não consegue nos dar um posicionamento sobre a licitação das câmeras", disse Carlos Augusto dos Santos, assessor especial da Secretaria de Governo.

Segundo a Comil, fabricante do ônibus, prefeitura e companhia local de energia precisam providenciar um ponto trifásico para ligar o veículo. Foi o que não houve em Fortaleza (CE), onde uma das três bases ficou semanas às escuras neste ano. "Os policiais estavam jogados lá dentro sem condições de fazer nada", disse Noélio Oliveira, da Associação dos Profissionais da Segurança do Ceará.

Secretário de Segurança Cidadã da capital cearense, na gestão do governista Pros, Francisco Veras elogia os resultados gerais do programa na cidade, mas minimiza o papel dos equipamentos.

"Conseguimos reduzir crimes violentos, furtos e roubos. Tivemos dificuldades em repor e recolocar câmeras danificadas, e no momento em que os usuários sabem da presença delas, migram para outro lugar. Ter ou não ter aquele equipamento é o que menos importa", disse.

Assim como capitais como São Paulo e Rio, Fortaleza foi uma das primeiras cidades contempladas com o ônibus e recebeu o pacote completo com as câmeras - que foram alvo de vandalismo. A falta de equipamentos atinge sobretudo os ônibus das levas seguintes de entregas, a partir de 2014.

Avaliação

A reportagem solicitou ao Ministério da Justiça, sem sucesso, uma entrevista com gestor responsável pelo "Crack, É Possível Vencer", para discutir os resultados e o funcionamento da iniciativa.

Na opinião do professor Luís Fernando Tófoli, do Departamento de Psicologia e Psiquiatria Médica da Unicamp, há exagero no eixo da autoridade do programa, com os gastos com ônibus de vigilância e armas não-letais.

Ele afirma que, no eixo de prevenção, a abertura dos chamados Consultórios de Rua (há 129 pelo país), de atendimento à população sem-teto, é "muito bem-vinda e necessária", mas "nem sequer dá conta de começar a esgotar a demanda nesse processo".

No chamado eixo cuidado, Tófoli diz ver "oportunidades abertas" pela rede que inclui desde ações de redução de danos a leitos em hospitais. Ele aponta, contudo, "excessiva permissividade" às comunidades terapêuticas, que funcionam, em sua opinião, numa "zona cinzenta das políticas públicas".

Sobre o emprego das bases móveis, o professor ressalva não ser especialista em segurança para ter uma avaliação final, mas diz ter dúvidas sobre a efetividade da política.

"Será que o varejo do crack, feito em pequenas quantidades na maioria das vezes, incluindo os usuários, será coibido com um dispositivo óbvio e perfeitamente visível como um ônibus de monitoramento? Não será mais lógico entender que, no lugar onde o ônibus estiver, o tráfico migrará para outro local? Será que os órgãos de segurança pública são capazes de justificar que esses ônibus de monitoramento são efetivos do ponto de vista do custo?", questionou.